O que são as Áreas Prioritárias?
As “Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade” são um instrumento de política pública orientador para o desenvolvimento de ações de pesquisa, inventário da biodiversidade, recuperação de áreas degradadas e de espécies sobreexplotadas ou ameaçadas de extinção, licenciamento ambiental, fiscalização, identificação de áreas com potencial para criação de unidades de conservação, corredores ecológicos, ações de fomento ao uso sustentável, ações de regularização ambiental.
São áreas definidas geograficamente com base em informações espacializadas sobre ocorrência dos alvos de conservação (espécies ameaçadas de extinção, raras ou endêmicas, ecossistemas terrestres e aquáticos e os serviços ecossistêmicos relevantes para a conservação da biodiversidade existente nestas), informações especializadas de atividades antrópicas (barramentos, estradas, áreas sem cobertura vegetal remanescente, mineração, etc.), bem como de informações espacializadas sobre atividades que favorecem a conservação e o uso sustentável da biodiversidade (projetos ambientais, manejo florestal, ecoturismo, entre outros).
As Áreas Prioritárias são definidas utilizando-se da metodologia do Planejamento Sistemático da Conservação (PSC), que está baseada em um programa de geoprocessamento e de modelagem matemática (método objetivo e eficiente), em um processo participativo com diversos setores da sociedade. As Áreas Prioritárias são definidas no território e a elas estão associadas a ações que devam ser executadas pelos governos federal, estadual e municipal e também pela sociedade civil. As regras para a identificação de tais Áreas e Ações Prioritárias foram instituídas formalmente pelo Decreto nº 5092 de 21/05/2004 no âmbito das atribuições do MMA.
A utilização das ferramentas de planejamento espacial, como do PSC, ajuda a identificar os sítios mais importantes do ponto de vista biológico, assim como aqueles que devam receber atenção urgente, sob risco de se perder sua biodiversidade associada e seu uso sustentável, além dos relevantes serviços prestados pelos ecossistemas. São levadas em consideração informações sobre quais espécies ocorrem em determinada área prioritária, o grau de importância biológica das áreas, bem como a urgência de agir sobre estas.
Por meio do PSC, o território é analisado para buscar áreas fora do conjunto já protegido por unidades de conservação, terras indígenas e territórios quilombolas, para que, juntas, possam promover a manutenção de espécies e ecossistemas. Deve-se ressaltar que as Áreas Prioritárias, dessa forma, são apenas insumos para o planejamento de empreendimentos e dos órgãos ambientais, não sendo impeditivas de nenhum tipo de intervenção humana.
Para que servem as Áreas Prioritárias?
Para orientar e planejar ações em grandes escalas. São a base para o planejamento de planos, programas, projetos e ações em biodiversidade e seus ecossistemas. O Brasil é o país com a maior diversidade de espécies no mundo, espalhadas nos seis biomas terrestres, além da zona costeira e marinha, sendo que atualmente existem 1.173 espécies de ambientes terrestres, de mamíferos aquáticos, de peixes e de invertebrados aquáticos que estão ameaçados de extinção (Portarias MMA nº 444 e 445/2014).
Em qualquer processo decisório, a melhor informação disponível e de forma organizada é fundamental. Vários setores da economia, como o industrial, de serviços, de telecomunicações, de logística, entre outros, e os governos se utilizam de informações espacializadas para planejar suas atividades e otimizar sua atuação. No caso das informações sobre meio ambiente e biodiversidade não é diferente.
Tendo como base a imposição constitucional atribuída ao poder público e à coletividade de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações, o governo federal editou o Decreto nº 5092/2004, que atribuiu ao Ministério do Meio Ambiente a competência de definir as Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição dos Benefícios da Biodiversidade Brasileira. As Áreas Prioritárias, uma vez definidas, devem ser consideradas para, entre outras ações, pesquisa, inventário da biodiversidade, recuperação de áreas degradadas e de espécies sobreexplotadas ou ameaçadas de extinção, licenciamento ambiental, fiscalização, identificação de áreas com potencial para criação de unidades de conservação, ações que visem a conectividade de áreas (corredores ecológicos), ações de fomento ao uso sustentável, ações de regularização ambiental (implementação do CAR), etc. As Áreas Prioritárias revestem-se, assim, de um caráter informativo e norteador para a definição de políticas públicas em meio ambiente.
Ao mesmo tempo, proporciona aos empreendedores tornar seus negócios mais sustentáveis, numa ação integrada com os órgãos gestores federais, estaduais e ou municipais, promovendo a manutenção de alvos de conservação ali existentes.
As Áreas Prioritárias são consideradas unidades de conservação? Por que precisamos ter Áreas Prioritárias para conservação?
Áreas prioritárias não é um sinônimo de Unidades de Conservação. As unidades de conservação (UCs), as terras indígenas (Tis) e os territórios quilombolas (TQs) abrigam diversas espécies ameaçadas e ambientes especiais, e são o ponto de partida do processo de definição das Áreas Prioritárias. Porém, estas áreas não abrigam de forma representativa a biodiversidade brasileira. Isso significa que o que existe dentro destas áreas não é suficiente para a manutenção dos processos ecossistêmicos e das espécies e de suas populações a longo prazo, pois existem espécies e ecossistemas que não estão protegidos por nenhuma destas áreas, nem em quantidade suficiente em extensão, o que é específico para cada um dos alvos. Existem lacunas de proteção, que chamamos de “lacunas de representatividade ecológica”, que são áreas que deveriam estar protegendo a riqueza biológica, os endemismos, as várias fitofisionomias, os serviços ecossistêmicos e, no entanto, os instrumentos de gestão existentes podem não ser suficientes para garantir sua conservação. As Áreas Prioritárias são um instrumento cujo um dos seus objetivos é o de identificar áreas complementares à conservação dos alvos definidos, nas quais uma série ações pode ser identificada e priorizada.
O que não pode ser feito nestas áreas? Eu posso ter, por exemplo, uma exploração minerária em uma área prioritária?
Sim, é possível. Os órgãos licenciadores utilizam as bases de dados das Áreas Prioritárias para saber o que existe em uma área demandada para licenciamento, em termos de biodiversidade. O que o órgão licenciador irá fazer é buscar a compatibilização ou compensação, conforme cada caso. Os processos de licenciamento não são mais demorados ou mais difíceis pela simples ocorrência de uma área prioritária no local pretendido para um empreendimento. Pelo contrário, pelo fato de existir um banco de dados associado a cada uma das Áreas Prioritárias, a informação é mais fácil de ser buscada e contextualizada nos processos de licenciamento. Deve-se ressaltar que de acordo com o art. 5º do Decreto 5092/2004, “o disposto neste Decreto não implica restrição adicional à legislação vigente”. Assim, novamente, as Áreas Prioritárias são áreas que indicam que há relevante biodiversidade presente nelas e que ao poder público e à sociedade cabe adotar as ações previstas para cada uma delas a fim de proporcionar a persistência dos alvos de conservação nelas presentes, compatibilizando, caso a caso, com as ações antrópicas a serem desenvolvidas nestas áreas. Ao mesmo tempo, empreendedores ganham acesso a informações que permitem uma melhor avaliação prévia de possíveis ameaças ou fragilidades em seu negócio, facilitando o aprimoramento em seu planejamento, a promoção da sustentabilidade empresarial e sua consequente valorização.
Se as Áreas Prioritárias indicam onde está a maior biodiversidade, por que elas recaem sobre uma determinada área e não em outras iguais do ponto de vista da ocorrência dos alvos de conservação? Como são escolhidas as Áreas Prioritárias?
Não necessariamente as áreas com maior número de alvos de conservação são as áreas escolhidas. O processo de decisão envolve muitas camadas de informação, sendo que cada processo de atualização de cada bioma e da Zona Costeira e Marinha define seu conjunto de camadas, sempre considerando as espécies ameaçadas, raras e endêmicas e ecossistemas relevantes.
Para tanto, é realizada uma oficina específica, de definição de alvos e metas de conservação, em que são convidados especialistas e pesquisadores que trabalham com espécies ameaçadas, especialistas em ecossistemas e ecologia, a fim de que possam indicar quais são as espécies, os ecossistemas aquáticos e terrestres e os serviços ecossistêmicos importantes para cada bioma e para a Zona Costeira e Marinha. Nesta oficina também são definidas as metas de conservação, ou seja, quanto em área um determinado alvo requer para sua manutenção. Por exemplo: se um lagarto ocupa uma área de 100 mil km² e os especialistas definem que o mínimo em área para a manutenção da viabilidade de suas populações é de 40% desse total, então para aquele alvo, o sistema deverá buscar áreas possíveis, no melhor conjunto de combinações entre todos os alvos escolhidos no processo, que totalizem 40 mil km². Isso é realizado para todos os alvos de conservação definidos na oficina.
Neste processo da 2ª atualização, foram utilizadas as áreas de ocorrência potencial das espécies ameaçadas, raras ou endêmicas, e dos ecossistemas definidos como alvos de conservação. Tais áreas foram, primariamente, as que o ICMBIO forneceu, por meio de seus Centros Nacionais de Pesquisa e Conservação. Assim é formada a camada de importância biológica. Caso a informação requerida pelos especialistas não estava disponível, outras bases foram utilizadas, todas devidamente ratificadas durante a realização das oficinas. As bases sugeridas pelos especialistas deveriam atender minimamente aos seguintes critérios: I. abrangência em todo o bioma, ou Zona Costeira e Marinha; II. dados espacializados; III. informações necessárias nos metadados e tabelas de atributos; e IV. precisão de localização da ocorrência dos alvos que atendesse às necessidades de análises do programa matemático de suporte à decisão.
Para definição da camada de custos e oportunidades, é realizada uma outra oficina na qual são definidas as camadas de informação relacionadas às atividades antrópicas (custos, de valor positivo na equação matemática) e a de atividades que promovem a conservação e o uso sustentável (oportunidades, de valor negativo na equação matemática). Além da definição de quais serão estas camadas, são definidas também a hierarquia entre elas, estabelecendo uma escala que vai da que é a menos compatível com a conservação e o uso sustentável da biodiversidade para a mais compatível (no caso das camadas de custos), somadas às camadas, também em escala, de quais são as que mais promovem a conservação e o uso sustentável da biodiversidade e quais são as que menos promovem tal conservação (no caso das oportunidades).
As duas camadas são então processadas por um programa de suporte à decisão para o planejamento da conservação (neste processo foi utilizado o programa MARXAN), por meio do qual é feito um processamento que busca otimizar a escolha de áreas, com maior importância biológica, com menor custo e em menor área. No entanto, mesmo com informação que aponta que uma determinada área apresenta um alto custo, esta mesma área pode ser selecionada, pois, de acordo com um dos princípios do PSC, a insubstituibilidade pressupõe que algumas áreas são insubstituíveis, pois são as únicas capazes de cumprir as metas estabelecidas para determinados alvos.
Por isso, duas áreas de mesma importância biológica, uma pode ser escolhida e a outra não, a depender do custo associado a ela. Por exemplo, entre duas áreas de igual importância biológica, em uma delas há uma área na qual passa uma estrada (custo). Na outra não existe estrada. O sistema escolherá a que apresenta o menor conflito com ações humanas já existentes no território. Nos processos dos biomas terrestres, o conjunto de Áreas Prioritárias ocupa aproximadamente 30% do território. Essa porcentagem para a zona marinha é ainda menor.
Uma oficina final é então realizada para que seja apresentado um mapa com áreas pré-selecionadas pelo programa matemático, com base nos dados das oficinas anteriores, momento em que os presentes opinam pela manutenção ou inclusão de áreas, mediante justificativa, e definem quais são as ações prioritárias para cada uma delas, a partir das informações apresentadas pelo banco de dados e pelos conhecimentos que os participantes têm sobre tais áreas.
Por que é utilizada a metodologia do Planejamento Sistemático da Conservação?
Considerando que são muitos os alvos de conservação, as camadas da superfície de custos, as metas individualizadas para cada alvo, além de variáveis que buscam promover áreas mais agrupadas entre si, a definição de quais são as melhores áreas para serem consideradas como prioritárias não é tarefa fácil. A fim de tentar solucionar tamanha complexidade, pesquisadores australianos desenvolveram, em 2000, o Planejamento Sistemático da Conservação (PSC), uma metodologia que utiliza métodos para localizar e delimitar um conjunto de áreas de interesse, de modo a complementar o sistema de áreas já existente para o cumprimento de metas para conservação de alvos de conservação. No caso brasileiro, a metodologia identifica áreas para complementar o Sistema de Unidades de Conservação da Natureza – SNUC com suas unidades de conservação, as terras indígenas já demarcadas e os territórios quilombolas já reconhecidos. Assim, parte da biodiversidade existentes nestes territórios já são contabilizados para as metas de conservação.
O PSC procura identificar e selecionar um conjunto de Áreas Prioritárias para conservação e o uso sustentável, de forma que esse conjunto contribua para atingir metas de conservação quantitativas e que sejam adequadas à realidade socioeconômica da região.
A abordagem do PSC seleciona Áreas Prioritárias levando em conta os critérios ambientais e as variáveis antrópicas que influenciam na conservação da biodiversidade, através do uso de sistemas de suporte à decisão. Algumas justificativas para a utilização são: abordagem que promove objetividade e eficiência, é um processo que cria memória do processo inteiro (incluindo o de identificação de prioridades), promover a participação de todos os setores da sociedade, e gera informações que possibilitam negociação informada e capacidade para avaliação.
O PSC apresenta princípios importantes como:
a) Representatividade – representação abrangente da biodiversidade;
b) Funcionalidade – promoção da persistência dos objetos de conservação no longo prazo, mantendo sua viabilidade e integridade ecológica;
c) Eficiência – máxima proteção da biodiversidade com uma solução para o alcance das metas de conservação dos objetos/alvos de conservação que apresente o melhor custo-benefício possível;
d) Complementaridade – incorporação de novas áreas ao sistema já existente, seguindo o princípio de maximizar o número total de objetos de conservação protegidos;
e) Flexibilidade – metas de conservação podem ser atingidas por diversas combinações de Áreas Prioritárias;
f) Insubstituibilidade – identificação de áreas indispensáveis para atingir as metas de conservação, considerando suas contribuições potenciais para a representatividade pretendida e o efeito de sua indisponibilidade sobre as outras opções para atingir as metas de conservação.
Como são definidos os contornos das Áreas Prioritárias? Por que não se consideram somente as APP e RLs das propriedades rurais como passíveis de serem uma área prioritária, e não sua área produtiva?
A fim de que as informações sobre a ocorrência dos alvos de conservação e das camadas de informação sobre atividades antrópicas sejam possíveis de serem quantificadas no território, há necessidade de se dividir esse território em unidades menores, que neste processo são chamadas de Unidades de Planejamento (UPs). As UPs podem ser figuras geométricas ou outras formas a serem definidas pelo processo. No caso da 2ª atualização, foi definido que seriam utilizadas bacias hidrográficas, pois são feições de fácil reconhecimento e caracterização, além de se constituírem como um sistema natural bem delimitado geograficamente, nas quais os fenômenos naturais podem ser integrados. Ademais, a bacia hidrográfica é considerada como unidade territorial para a implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH). No caso da Zona Marinha, foram utilizados hexágonos, um desenho que vem sendo utilizado por pesquisadores da área marinha em vários países do mundo.
Assim, várias dessas UPs podem ser selecionadas, formando um grupo, que terão o contorno de uma área prioritária, se assim for definido pelos participantes das oficinas, conforme a realidade ambiental e social da região.
O tamanho das UPs difere de bioma a bioma, a depender do seu tamanho. No caso da Amazônia, foram utilizadas bacias hidrográficas com tamanho médio de 136 mil hectares; no caso do Pampa, foi utilizado o menor tamanho de bacia hidrográfica, com tamanho médio foi de 11,7 hectares.
Pelo tamanho de cada uma dessas UPs, não é possível, em um exercício de planejamento de escala regional, em escala de bioma, ser mais refinada a fim de que seja possível delimitar áreas que muitas vezes detém tamanho menores que 1ha. Nesta escala de trabalho das Áreas Prioritárias não é possível fazer uma aproximação maior. As escalas das bases de dados também não são tão refinadas a ponto de se fazer essa aproximação. O trabalho que o MMA faz é um referencial adaptado à escala nacional do trabalho, a partir do qual os estados podem fazer seus estudos mais refinados. Inclusive, muitos estados têm feito seus próprios processos de definição de Áreas Prioritárias para conservação.
Por isso, muitas áreas produtivas se encontram dentro das Áreas Prioritárias. Mas, lembrando, não é desejável que estas áreas estejam fora das Áreas Prioritárias, pois, a fragmentação aumentaria sobremaneira, o que impediria que ações que possam ser feitas para promover a integração de áreas segregadas, como a implantação de corredores de conectividade, sejam feitas. Além disso, em muitos dos casos, a diversidade biológica existente em uma área convive bem com as ações antrópicas existentes no mesmo território. Ademais, algumas ações prioritárias podem e devem ser implementadas tanto em áreas públicas quanto privadas, como é o caso das atividades de educação ambiental e de pesquisa e inventários biológicos.
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