Os processos de revisão das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade Brasileira são realizados, preferencialmente, seguindo a abordagem do Planejamento Sistemático da Conservação, conforme Deliberação CONABIO nº 39 de 14/12/2005.
O Planejamento Sistemático da Conservação (PSC), de Margules e Pressey (2000)[1], contempla conceitos ecológicos, tais como, representatividade, complementariedade, eficiência, flexibilidade, vulnerabilidade, e insubstituibilidade, considerando os alvos de conservação.
A análise dos dados é feita a partir de ferramentas específicas de modelagem espacial, como o Marxan ou Zonation, e Sistemas de Informação Geográfica (SIG).
A seguir, são detalhadas algumas etapas desse processo:
1) Definição das Unidades de Planejamento
As Unidades de Planejamento - UP são subdivisões da área de estudo onde podem ser especializadas as informações a serem analisadas. Várias configurações já foram utilizadas, como grid de quadrículas (Diniz et al. 2004) [L1], grid de hexágonos (atualização das Áreas Prioritárias de 2006, MMA 2007) e bacias hidrográficas (Nogueira et al 2010) [L2]. No 2º processo de Atualização, as bacias hidrográficas foram utilizadas para o território continental e hexágonos para a parte marinha.
2) Revisão e ampliação da base de dados
É necessário revisar e ampliar as bases de dados georreferenciadas utilizadas e geradas no processo de revisão. Além de compilar pontos de ocorrência, ou mapas de distribuição geográficas, para todos os alvos de conservação (como espécies, ecossistemas, entre outros atributos de interesse para a conservação), é importante que as bases de dados sejam oficiais e confiáveis (bases de dados governamentais, de pesquisadores que trabalham com diversidade e distribuição dos grupos de interesse, por exemplo).
As informações compiladas devem ser validadas por especialistas e organizadas em planilhas, contendo, minimamente, nome da espécie, localidade, município, estado, coordenadas e fonte.
Em se tratando de espécies, o número de registros por táxon é bastante variável e reflete tanto o tamanho da distribuição quanto o nível de conhecimento da comunidade científica. Geralmente, espécies com poucos registros devem ser mapeadas por pontos e ocorrência. Já no caso de espécies com maior número de registros deve-se adotar a modelagem de distribuição potencial.
No caso dos ecossistemas, é importante também compilar dados sobre suas distribuições em cada região.
3) Definição de Alvos e Metas para Conservação e elaboração do Mapa de Importância Biológica
Alvos de conservação são atributos de interesse para a conservação que ocorrem na região de estudo e representam a biodiversidade na qual se queira centrar esforços de conservação. Os alvos devem ser mapeáveis.
Os alvos de conservação podem ser alvos de biodiversidade, de uso sustentável ou de persistência e processos. Como exemplo, podem ser espécies, fitofisionomias, hábitats únicos ou outros atributos que representem a distribuição da biodiversidade na região. Eles são escolhidos por meio de um processo consultivo a especialistas em biodiversidade na área do estudo. É importante que tais espécies/atributos sejam bons indicadores da biodiversidade. Essa premissa é aceitável uma vez que muitas espécies pertencentes aos mais diferentes grupos taxonômicos respondem de forma semelhante às variações no ambiente (Rodrigues e Brooks, 2007)[L3] . Dessa forma, espera-se que um conjunto heterogêneo de alvos bem conhecidos do ponto de vista de sua distribuição geográfica e história natural irá representar a biodiversidade como um todo.
Considerando a restrição de grupos de espécies a tipos específicos de vegetação e feições geomorfológicas, o uso de mapas que representem a heterogeneidade ambiental de uma determinada região também pode ser utilizado com um indicador de biodiversidade eficiente (Pressey et al. 2004[L4]). O uso desse tipo de alvo apresenta a grande vantagem de fornecer informações homogeneamente distribuídas e cobrindo toda a área de interesse, ao contrário dos alvos de espécie, que muitas vezes tem sua amostragem concentrada em poucas regiões melhor estudadas. A utilização dos dois tipos de alvo consiste na melhor estratégia para o PSC, permitindo a inclusão de dados obtidos por sensoriamento remoto que cobrem toda a área de estudo e dados mais específicos de espécies com interesse para conservação, ainda que não tenham sido realizados inventários exaustivos na região de interesse.
Para cada alvo são estabelecidas metas de conservação, que consiste na proporção da área de ocorrência de um alvo que deve ser mantida para garantir sua integridade. Elas são definidas por meio de consultas a especialistas. Para definição das metas de conservação, deve-se considerar uma combinação de fatores, tais como: tamanho da distribuição geográfica da espécie/alvo, número de unidades de planejamento em que o alvo ocorre, perda de habitat dentro da área de distribuição, tolerância/resiliência a alterações no habitat, grau de ameaça da espécie, dentre outros.
As informações sobre os alvos e metas de conservação são utilizadas para produzir o Mapa de Importância Biológica, que apresenta a importância de cada Unidade de Planejamento para a conservação da biodiversidade.
As áreas prioritárias são classificadas segundo categorias de Importância Biológica (extremamente alta; muito alta; alta; e insuficientemente conhecida).
PODEM SER ALVOS DE CONSERVAÇÃO
Objetos de Biodiversidade:
Espécies endêmicas, de distribuição restrita ou ameaçadas, hábitats; fitofisionomias; fenômenos biológicos excepcionais ou raros; e substitutos de biodiversidade (unidades ambientais que indicam diversidade biológica, por exemplo: fenômenos geomorfológicos e oceanográficos, bacias hidrográficas ou interflúvios e outros).
Objetos de uso sustentável:
Espécies de importância econômica, medicinal ou fitoterápica; áreas de beleza cênica; áreas/espécies importantes para populações tradicionais e para a manutenção do seu conhecimento; espécies-bandeira que motivem ações de conservação e uso sustentável; espécies-chave da qual depende o uso sustentado de componentes da biodiversidade; áreas importantes para o desenvolvimento com base na conservação; áreas que fornecem serviços ambientais a áreas agrícolas (como plantios dependentes de polinização e de controle biológico); áreas importantes para a diversidade cultural e social associada à biodiversidade.
Objetos de Persistência e Processos:
Áreas importantes para a manutenção de serviços ambientais (manutenção climática, ciclos biogeoquímicos, processos hidrológicos, áreas de recarga de aquíferos); centros de endemismo, processos evolutivos; áreas importantes para espécies congregatórias e migratórias; espécies polinizadoras; refúgios climáticos; conectividade e fluxo gênico; áreas protetoras de mananciais hídricos; áreas importantes para manutenção do pulso de inundação de áreas alagadas; áreas extensas para espécies de amplo requerimento de hábitat.
4) Identificação das ameaças e oportunidades à conservação da biodiversidade e definição da Superfície de Custo
Ameaças são quaisquer atividades antrópicas (provocadas pelo homem) que causem efeitos negativos sobre os alvos selecionados e que possam ser mapeadas. São atividades que apresentam algum grau de incompatibilidade com ações de conservação.
Já oportunidades são atividades que têm efeitos positivos sobre os alvos selecionados. São atividades que favoreçam ações de conservação ou que sejam consideradas atividades de uso sustentável.
Os dados de ameaças podem compor a superfície de custo, que representa a vulnerabilidade face à modificação do habitat e captura diferentes dimensões dos custos econômicos, sociais e ambientais.
Sabe-se que a conservação possui custos de implementação que variam ao longo do espaço, positiva ou negativamente. Considerando que o PSC busca alcançar o maior custo/benefício, uma superfície de custo referente à área de estudo é incluída para que as oportunidades (custos negativos) e as restrições (custos positivos) de conservação de uma área sejam consideradas. Assim, áreas com alguma característica desejável que tenham menor custo são priorizadas pelo sistema em detrimento daquela com maior custo de conservação ou maior conflito de uso.
A principal vantagem de se considerar o custo de conservação na escolha de áreas é diminuir o conflito na implementação. Quanto menor o custo do conjunto de áreas prioritárias escolhidas, maior é a probabilidade de sucesso na consolidação da conservação nessas áreas.
Os principais conflitos ocorrem nos casos em que existe uma elevada diversidade de espécies e/ou endemismo em áreas importantes para produção agrícola, implementação de infraestrutura, ou regiões de alta densidade populacional, por exemplo.
A estratégia para produção de uma superfície de custos deve ser definida em oficina de especialistas, preferencialmente de diferentes instituições e devem refletir a realidade de cada região de estudo.
5) Identificação das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade
Para selecionar as áreas prioritárias para conservação pode-se considerar o seguinte conjunto de dados de entrada:
- quantidade/qualidade de remanescentes de vegetação natural em cada unidade de planejamento;
- ocorrência das espécies e ecossistemas nas unidades de planejamento;
- custo de conservação das unidades de planejamento;
- borda: extensão do contato entre cada par de unidades de planejamento, desde que coberto por vegetação natural;
- meta de conservação em área para cada alvo;
- disponibilidade das unidades de planejamento para seleção.
O resultado obtido pelo sistema deve ser validado, preferencialmente, em oficina técnica, com a participação de pesquisadores, gestores e representantes de diversas instituições e setores.
As análises indicam as áreas de alta insubstituibilidade que devem estar contidas na solução como áreas selecionadas. A solução final do PSC define um determinado conjunto de Áreas Prioritárias que são capazes de assegurar a representatividade e a persistência dos alvos de conservação.
É importante destacar que as áreas protegidas são áreas prioritárias e o modelo computacional considera, primeiramente, o atingimento das metas de conservação dentro das áreas já protegidas e complementa o atingimento das metas na escolha de novas áreas prioritárias, que não são protegidas mas que podem ter ações de conservação implementadas para a integridade dos alvos.
6) Identificação de Ações Prioritárias e da prioridade de ação
Após a identificação das Áreas Prioritárias para a Conservação da Biodiversidade, serão realizadas consultas públicas para definição das ações prioritárias de conservação. As ações de conservação e uso sustentável poderão incluir: ações de conservação, ações de manejo e restauração, ações de pesquisa e ações institucionais.
Após a definição das ações prioritárias a serem implementadas nas áreas, deverá ser estabelecido o grau de prioridade de ação das áreas com parâmetros como a tendência do desmatamento, planejamentos setoriais, grau de vulnerabilidade e nível de ameaça à integridade da área, ou seja, de acordo com a importância biológica e com a urgência de ação (reflexo da superfície de custo).
[1] 2000. Margules, C. R. and Pressey, R. L. Systematic conservation planning. Nature. 405, 243-253 (11 May 2000)
[L1] Diniz-Filho, J.A.F., L.M. Bini, C.M. Vieira, M.C. Souza, R.P. Bastos, D. Brandão, L.G. Oliveira. 2004. Spatial patterns in species richness and priority areas for conservation of anurans in the Cerrado region, Central Brazil. Amphibia-Reptilia25, 63–75.
[L2] Nogueira, C., P. A. Buckup, N. A. Menezes, O. T. Oyakawa, T. P. Kasecker, M. B. Ramos Neto, J. M. C. Silva. 2010. Restricted-Range Fishes and the Conservation of Brazilian Freshwaters. PlosOne. 5(6): e11390. doi:10.1371/journal.pone.0011390
[L3] Rodrigues e Brooks 2007 Shortcuts for biodiversity conservation planning: The effectiveness of surrogates. Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics 38: 713–737.
[L4] Pressey R.L. 2004 Conservation Planning and Biodiversity: Assembling the Best Data for the Job. Conservation Biology 18:1677-1681
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