A biossegurança está relacionada aos riscos das biotecnologias, que, em seu sentido mais amplo, compreendem a manipulação de microorganismos, plantas e animais, visando à obtenção de processos e produtos de interesses diversos. O uso da expressão biossegurança é decorrente do avanço das biotecnologias a partir de 1970, notadamente, das tecnologias associadas à produção de transgênicos (ou Organismos Geneticamente Modificados - OGMs) e seus derivados, potencialmente causadores de efeitos adversos à saúde humana ou animal e ao meio ambiente.
Biossegurança é uma expressão resultante da junção de bio segurança, que segundo o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa (Ed. Nova Fronteira, p.302-303, 2000) significa: o conjunto de estudos e procedimentos que visam a evitar ou controlar os eventuais problemas suscitados por pesquisas biológicas e/ou por suas aplicações. Na obra Biossegurança - uma Abordagem Multidisciplinar (1996), Teixeira e Valle definem biossegurança como sendo: o conjunto de ações voltadas para a prevenção, minimização ou eliminação dos riscos inerentes às atividades de pesquisa, produção, ensino, desenvolvimento tecnológico e prestação de serviços. Esses riscos podem comprometer a saúde humana, dos animais, das plantas, do meio ambiente.
Por sua vez, a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura - FAO incorporou a segurança alimentar ao conceito de biossegurança, já que admite como significado da biossegurança o uso sadio e sustentável, em termos ambientais, de produtos biotecnológicos e aplicações para a saúde humana, biodiversidade e sustentabilidade ambiental, como suporte ao aumento da segurança alimentar global.
Embora o termo biossegurança possa ser aplicado a qualquer situação relacionada aos produtos biotecnológicos, praticamente tanto as preocupações de saúde humana e ambiental como as normas sobre o tema são estritas aos produtos e serviços da engenharia genética. Esta especificidade provavelmente é decorrente do poder que a engenharia genética tem em modificar ou reprogramar os seres vivos. Em decorrência disso, grandes também são os possíveis riscos associados. Como nenhuma outra biotecnologia tem tal alcance, seus produtos não são regulamentados, como é o caso da micropropagação in vitro de plantas (ou clonagem de plantas).
É relevante mencionar que, após a descoberta das tecnologias que envolvem o DNA recombinante, ou seja, as bases da engenharia genética, os possíveis perigos destas tecnologias foram de tal maneira dimensionados que, medidas de contenção e procedimentos laboratoriais específicos foram desenhados. Na época dessa descoberta, 1973-1975, todos se referiam a bio-risco ou bio-perigo (do inglês biohazard), contudo, quando surgiram as primeiras possibilidades de comercialização dos produtos desta tecnologia, os termos acima referidos foram substituídos por biossegurança (do inglês biosafety). Prevaleceu, então, a imposição comercial, pois a expressão biossegurança constitui-se na tentativa de transmitir que um certo produto é biosseguro. Se as expressões utilizadas inicialmente fossem mantidas, hoje seriam utilizados termos como, por exemplo, produto bio-perigoso, o que tem um significado muito diferente de biosseguro.
Por se tratar de uma nova tecnologia e considerando o reduzido conhecimento científico a respeito dos riscos de OGMs, torna-se indispensável que a liberação de plantas transgênicas para plantio e consumo, em larga escala, seja precedida de uma análise criteriosa de risco à saúde humana e do efeito desses produtos e serviços ao meio ambiente, respaldadas em estudos científicos, conforme prevê a legislação vigente. Assim, normas adequadas de biossegurança, licenciamento ambiental, e mecanismos e instrumentos de monitoramento e rastreabilidade são necessários para assegurar que não haverá danos à saúde humana, animal e ao meio ambiente. Também são imprescindíveis estudos de impacto socioeconômicos e culturais, daí a relevância da análise da oportunidade e conveniência que uma nação deve fazer antes da adoção de qualquer produto ou serviço decorrente da transgenia.
É neste contexto, que a maioria dos países invocam o Princípio da Precaução, como diretriz para a tomada de decisões. Assim, quando há razões para suspeitar de ameaças de sensível redução ou de perda de biodiversidade ou, ainda, de riscos à saúde humana, a falta de evidências científicas não deve ser usada como razão para postergar a tomada de medidas preventivas.
Desta forma, a adoção do Princípio da Precaução, constitui uma alternativa concreta a ser adotada diante de tantas incertezas científicas. Desta associação respeitosa e funcional do homem com a natureza, surgem as ações preventivas para proteger a saúde das pessoas e os componentes dos ecossistemas.
Há, contudo, um outro termo, biosseguridade, de escopo mais amplo, que por sua vez englobaria a biossegurança. Em seu sentido geral, biosseguridade significa o estabelecimento de um nível de segurança dos seres vivos por intermédio da diminuição do risco de ocorrência de qualquer ameaça a uma determinada população. A biosseguridade inclui tanto os riscos biológicos como também questões relacionadas à saúde pública ou ainda à segurança nacional. Um programa de biosseguridade é composto por um conjunto de princípios, normas, medidas e procedimentos de cuidados com a saúde e o bem estar de uma população, o que inclui, naturalmente, o meio ambiente.
A temática sobre biossegurança, no Ministério do Meio Ambiente - MMA por sua vez, divide-se em dois componentes, um com foco nos Organismos Geneticamente Modificados - OGMs e o outro com foco nas espécies exóticas invasoras. Na primeira linha de atuação, a biossegurança de OGMs, o MMA atua com base nos Princípios da Precaução, da Publicidade e da Garantia de Acesso à Informação.
Nas análises e discussões a respeito dos OGMs e do marco legal, o MMA baseia-se, nos princípios acima mencionados, bem como na alta qualidade dos estudos que embasam a avaliação de risco e com base em análise multidisciplinar, além da relevância dos avanços no conhecimento científico relacionados à biossegurança.
Outra linha de atuação do MMA é a realização de Cursos de Capacitação em Biossegurança de OGMs , que têm a finalidade de formar recursos humanos e qualificar os técnicos das áreas de licenciamento e fiscalização provenientes de órgãos governamentais e de empresas dedicadas ao estudo de OGMs, assim como estudantes, professores e pesquisadores do setor acadêmico e de institutos de pesquisa.
As preocupações com os possíveis efeitos adversos da biotecnologia à biodiversidade levaram os países a incluir um artigo especifico no texto da Convenção sobre Diversidade Biológica - CDB (Decreto Legislativo n° 2, de 1994). Assim, no artigo 19 (3), dessa Convenção, há a seguinte determinação: As Partes devem examinar a necessidade e as modalidades de um protocolo que estabeleça procedimentos adequados, inclusive, em especial, a concordância prévia fundamentada, no que respeita a transferência, manipulação e utilização seguras de todo organismo vivo modificado pela biotecnologia, que possa ter efeito negativo para a conservação e utilização sustentável da diversidade biológica.
Em 1995 foram, então, iniciadas as negociações que culminaram, em janeiro de 2000, na adoção do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, no âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica. Tais negociações contaram com a ativa participação do MMA, o qual sempre buscou levar em consideração o Principio da Precaução. O Brasil aderiu ao Protocolo, por meio de aprovação do Congresso Nacional, em 21 de novembro de 2003. O Governo brasileiro depositou o instrumento de adesão junto à Sede das Nações Unidas, em Nova York, em 24 de novembro de 2003. De acordo com o artigo 37 do Protocolo, o Brasil passou a ser Parte Contratante a partir de 22 de fevereiro de 2004, embora o Instrumento Internacional estivesse em vigor desde 11 de setembro de 2003.
O Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança contempla modalidades para a transferência, manuseio e utilização seguros de organismos geneticamente modificados - OGMs que possam ter efeitos adversos para a saúde e para a conservação e o uso sustentável da diversidade biológica. A adoção do Protocolo cria uma instância internacional para discutir os procedimentos que deverão nortear a introdução de OGMs no território daqueles países que a ele aderiram. O mecanismo de consulta, de mão dupla, criado para oferecer aos países importadores a oportunidade de, antecipadamente, solicitar do país exportador informações detalhadas sobre a biossegurança do produto que deverá ser importado estabelece, formalmente, sobre o respeito que deve existir nas transações comerciais e na observância da soberania dos países.
No âmbito interno, a adesão do Brasil ao Protocolo reveste-se de grande importância em razão da enorme biodiversidade aqui existente - que deve ser protegida - e a condição do País de grande exportador de alimentos.
Reveste-se, o Protocolo de Cartagena, de característica exponencial quando, incontestavelmente, incorpora o Princípio da Precaução como visão orientadora na aplicação mais ampla do instrumento. Tal particularidade que, em realidade, é a base de sustentação do Protocolo, tem sido defendida, pelo MMA em todos os fóruns, tanto nacionais quanto internacionais.
Nos artigos 10 e 11 do Protocolo, o Principio da Precaução é assim mencionado: a ausência de certeza científica, devida à insuficiência das informações e dos conhecimentos científicos relevantes sobre a dimensão dos efeitos adversos potenciais de um organismo vivo modificado na conservação e no uso sustentável da diversidade biológica da Parte importadora, levando também em conta os riscos para a saúde humana, não impedirá esta Parte, a fim de evitar ou minimizar esses efeitos adversos potenciais, de tomar uma decisão, conforme o caso, sobre a importação do organismo vivo modificado em questão.
Com a adesão de qualquer País ao Protocolo, há a necessidade da tomada de uma série de providências para que o País possa cumprir com suas obrigações e usufruir dos direitos previstos no aludido Protocolo. Dentre as decisões mais relevantes, estão aquelas relacionadas à escolha do Ponto Focal Nacional, da(s) Autoridade(s) Nacional(is) e do Órgão Responsável pelo Mecanismo de Intermediação do Protocolo (Biosafety Clearing-House Mechanism), por meio do qual são disseminadas informações relativas à implementação do Protocolo.
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