Brasília (DF) - A fundadora e diretora-executiva do Center for Ecoliteracy (CEL), da Califórnia, Zenobia Barlow, defendeu, hoje, cinco princípios para uma alfabetização ecológica. O CEL é uma fundação pública que apóia organizações educacionais e comunidades de aprendizado em escolas primárias e secundárias, promovendo a educação para a sustentabilidade. Zenobia participou do painel Educação para sociedades sustentáveis, juntamente com o professor Clóvis Miranda, que desenvolve com a organização Second Nature, em Boston, trabalhos voltados para a abordagem da questão ambiental de forma transversal em diversas universidades norte-americanas, e a professora Eda Tassara, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e estudiosa das relações entre lógica, linguagem e pensamento, durante os Diálogos para um Brasil Sustentável, nesta terça-feira, em Brasília.
Segundo Zenobia, é necessário, em primeiro lugar, entender os princípios da ecologia. Por exemplo, um ecossistema se gera no dejeto, pois os resíduos de uma espécie é o alimento de outra, em ciclos que se dão continuamente ao longo da rede da vida, já que a vida não progrediu no planeta por meio do combate, mas sim da cooperação, da parceria. Em seguida, Zenobia defendeu que os estudantes precisam aprender a pensar de forma sistêmica. "Pensamento ecológico significa pensar em termos de relações, padrões, processos e contexto", explicou. Em terceiro lugar, defende que é preciso "aprender no mundo real". "Ajudamos estudantes a experimentar os princípios de ecologia na natureza envolvendo-os em projetos por meio dos quais adquirem um amor pela natureza e uma noção de lugar. Nós achamos que trabalhar em jardins e hortas e plantar alimentos é uma experiência especialmente gratificante para crianças de escola", disse.
Logo após, ela citou a necessidade de criar comunidades de aprendizado. Por meio da educação para a vida sustentável, as escolas se transformariam em comunidades de aprendizado, em que professores, estudantes, administradores, e pais, todos se interligam numa rede de relações, trabalhando juntos para facilitar o aprendizado. Por último, ela assegura ser necessário integrar a cultura da escola e dos currículos. "À medida que a cultura da escola se integra à comunidade de aprendizado, que a comunidade desenvolve coletivamente um currículo integrado, no qual as várias áreas temáticas se tornam recursos a serviço de um foco central. Em nossas escolas, praticamos esta abordagem, que é conhecida como "aprendizado baseado em projetos," com jardinagem e alimentos, ou restauração de regatos e estudos de bacias hidrográficas como projeto central. Essas experiências de aprendizado envolvem os alunos em projetos complexos ligados ao mundo real que levam a resultados tangíveis e à inovação e à mudança sistêmicas", explicou.
O professor Clóvis Miranda, da Second Nature, defendeu a idéia de que os trabalhos desenvolvidos dentro das instituições de ensino de nível superior possam ter um efeito multiplicador, onde cada estudante, convencido das boas idéias da sustentabilidade, influencie o conjunto a sociedade nas mais variadas áreas de atuação. Segundo ele, o pensar sistêmico e o entendimento da interdependência dos seres vivos levarão a uma mudança de comportamento, fundamental para que se alcance o tão falado desenvolvimento sustentável. "Ampliar e melhorar os processos de negociação, de tomadas de decisão e de difusão de informações irão acelerar o processo de implementação das diretrizes em direção à sustentabilidade", garantiu.
De acordo com a professora Eda Tassara, da USP, o trabalho desenvolvido por pessoas como as reunidas durante os Diálogos para um Brasil Sustentável é uma luta para o renascimento de idéias como o do desenvolvimento sustentável, pela sustentabilidade política de um ambiente humano pacifista, cuja construção deverá ocorrer com aportes significativos de educação ambiental. "Esta educação necessariamente deverá ter como base o respeito aos direitos de ser o que se é, conviver sendo o que se é e participar da definição das regras de convívio que permitirão cada um ser o que é", disse.
Textos base
Educação para Sustentabilidade
Zenobia Barlow e Fritjof Capra
Durante os últimos dez anos, o Center for Ecoliteracy (CEL) em Berkeley, Califórnia, desenvolveu uma pedagogia eficaz de "educação para a vida sustentável" em escolas públicas. Sua base é o conceito de "alfabetização ecológica" - o entendimento de como os ecossistemas sustentam a rede da vida, de modo que nós possamos assim conceber comunidades humanas sustentáveis.
Esperamos que as características chave de nossa pedagogia possam ser adaptadas ao contexto brasileiro em colaboração com educadores brasileiros. Nossa esperança se baseia em termos ouvido sobre muitos projetos semelhantes no Brasil, e sobre o grande entusiasmo para com nossa abordagem quando ela foi apresentada pelo Sr. Capra no Fórum Social Mundial de Porto Alegre, neste ano. O método CEL inclui os seguintes componentes chave.
Entender os princípios da ecologia
Esses são os princípios de organização que permitem que os ecossistemas sustentem a rede da vida. Por exemplo, um ecossistema se gera no dejeto, o' dejeto de uma espécie sendo o alimento de outra, em ciclos da matéria que se dão continuamente ao longo da rede da vida; com a energia que flui do sol conduzindo os ciclos ecológicos; a diversidade assegura a resistência; a vida não medrou no planeta através do combate, mas através da cooperação, da parceria, e do trabalho em rede. No CEL, nós apresentamos esses padrões e processos ecológicos em termos de 6 conceitos ecológicos básicos - trabalho em rede, sistemas nidados, ciclos, fluxos, desenvolvimento, e equilíbrio dinâmico.
A integração conceitual através do pensamento ecológico
Para entender plenamente os princípios de ecologia, os estudantes precisam aprender a pensar de forma sistêmica. Pensamento ecológico significa pensar em termos de relações, padrões, processos e contexto. Nós enfatizamos mudanças de percepção que transfiram a ênfase das partes para o todo, dos objetos para as relações, da estrutura para o processo, da quantidade para a qualidade, da mensuração para o mapeamento.
Aprender no mundo real
Nós ajudamos os estudantes a experimentar os princípios de ecologia na natureza envolvendo-os em projetos ecológicos através dos quais eles adquirem um amor pela natureza e uma noção de lugar. Nós achamos que trabalhar em jardins e hortas e plantar alimentos é uma experiência especialmente gratificante para crianças de escola. Nosso Projeto de Sistemas Alimentares traz de volta as crianças à base dos alimentos - realmente à base da vida - vinculando a alfabetização ecológica às hortas e jardins das escolas, a programas de merenda escolar a fazendas familiares locais e à saúde das crianças.
Criar comunidades de aprendizado
Através da educação para a vida sustentável, as escolas se transformam em comunidades de aprendizado, em que professores, estudantes, administradores, e pais, todos se interligam numa rede de relações, trabalhando juntos para facilitar o aprendizado. O ensino não flui de cima para baixo, mas há uma troca cíclica de informações. O foco é no aprendizado e todo o mundo no sistema é ao mesmo tempo professor e a aprendiz.
Integrar a cultura da escola e o currículo
À medida que a cultura da escola se integra à comunidade de aprendizado, que a comunidade desenvolve coletivamente um currículo integrado, no qual as várias áreas temáticas se tornam recursos a serviço de um foco central. Em nossas escolas de alfabetização ecológica, nós praticamos esta abordagem, que é conhecida como "aprendizado baseado em projetos," com jardinagem e alimentos, ou restauração de regatos e estudos de bacias hidrográficas como projeto central. Essas experiências de aprendizado envolvem os alunos em projetos complexos ligados ao mundo real que levam a resultados tangíveis e à inovação e à mudança sistêmicas.
A pedagogia do CEL tem sido adotada por numerosas escolas na Califórnia, que usam nosso quadro conceitual como inspiração, mas desenvolvem seus próprios projetos, currículos, e métodos de ensino, feitos sob medida para uma variedade de contextos culturais, institucionais e sócio-econômicos.
Nossa abordagem é multidimensional, e envolve muitas perspectivas diferentes, e é portanto difícil descrevê-la num breve contorno. Temos muita documentação escrita (para maiores detalhes, favor visitar nosso website (http://www.ecoliteracy.org), e nós recomendamos especialmente 3 fascículos, "Ecoliteracy: Mapping the Terrain" , "Exploring Ecoliteracy", e "The Edible Schoolyard."
"Ecoliteracy: Mapping the Terrain" proporciona uma introdução a todo o quadro teórico da pedagogia do CEL. "Exploring Ecoliteracy," é um relatório feito por um grupo de educadores no norte da Califórnia, que mostra como nossa pedagogia pode ser aplicada e implementada de maneira eficaz em regiões rurais muito pobres dentro de uma variedade de contextos culturais. "The Edible Schoolyard" documenta a criação de uma cultura cooperativa nas escolas numa escola média do meio urbano, organizada ao redor de jardins e hortas e sistemas alimentares. O Instituto Ecoar em São Paulo tem cópias desses fascículos.
Nós teríamos igualmente muitíssimo prazer em enviar uma equipe do CEL ao Brasil para entabular um diálogo com educadores brasileiros num seminário de colaboração. Nós desenvolvemos um processo especial para seminários (uma adaptação de um processo de conselho indígena) em a colaboração com uma educadora da etnia indígena Okanagan, Jeannette Armforte, que é especialmente apropriado para diálogos interdisciplinares e interculturais. (Para maiores informações, favor ver os ensaios de Jeannette Armforte em "Ecoliteracy: Mapping the Terrain".
Esperamos com muito entusiasmo a oportunidade de entabular diálogo com nossos colegas brasileiros, a fim de explorar a questão de como a alfabetização ecológica está sendo fomentada no Brasil, e de como a abordagem pedagógica do CEL poderia apoiar os esforços brasileiros.
Educação Ambiental e Sustentabilidade - Uma análise sob a ótica geopolítica
Eda Tassara, Universidade de São Paulo
A compreensão histórica da problemática do meio-ambiente inscreve-se necessariamente no contexto geopolítica. Constata-se que, os discursos geopolíticos pós 2ª Guerra Mundial consolidaram e sustentaram a difusão hegemônica da ideologia do ambientalismo, tendo como substrato a ideologia da conservação da natureza.
A compreensão deste processo de difusão "mundializada" de um discurso ambientalista elaborado vem requerer análises complexas de seus argumentos desenvolvidos em contexto dinâmico de determinações. Na busca de uma inteligibilidade para tais argumentos, estruturados sobre enunciados que se apresentam sob o estatuto de verdades/necessidades lógicas, e que se constituem em discursos geopolíticos cuja eficiência se verifica mediante seu impacto de e na propagação, tem-se que analisá-los como projeção de redes de interesses que estariam sustentando a sua formulação estratégica. Esta operação de construção de uma imagem da problemática ambiental "mundializada", fundamenta-se em conflitos racionais não identificadas originados do caráter difuso de compreensão da referência de realidade de teorias científicas da natureza, mas propaga-se mobilizando-se sobre provocações de cunho ético e humanístico - sobre uma crítica latente do "Ocidente" como civilização.
Apóia-se sobre um paradigma cultural que tem suas raies na consciência difusa do crescente poder destrutivo, seja pela quantidade de armas atômicas ou congêneres, pelas progressivas agressões ao ambiente, à natureza e mesmo ao patrimônio genético-nascido no próprio interior da civilização "ocidental" hegemônica, gerando o temor face à impossibilidade da humanidade vir a controlar tal poder autodestrutivo.
Em particular, o mundo em seu complexo encontra-se hoje no dever de enfrentar os gravíssimos problemas advindos do uso indiscriminado de tecnologias de grande potencialidade inovativa e, mais genericamente, os problemas que nascem do desencontro entre liberdade de pesquisa científica e uso possível das tecnologias que derivam desta pesquisa. Há uma desproporção evidente entre o poder tecnológico e a maturidade civil que deve guiar este poder; não se trata mais de discutir usos alternativos de tecnologias novas mas de se colocar o problema em uma perspectiva de crítica do próprio processo histórico que sustentou a mundialização do "ocidente".
Caberia, então, aos cidadãos preparar-se para esta crítica, instrumentalizando a compreensão fundamentada da indissociabilidade do trinômio cultura-técnica-ambiente e do processo gerador da crise ambiental pois depende desta compreensão a política ambiental. Ou seja, a construção intencional do futuro, mediada por processos políticos de condução de transformações ambientais mediante mudanças culturais e técnicas.
Considerando o ambiente conforme o caracteriza Milton Santos (2001), como "organização humana no espaço total que compreende os fragmentos territoriais", a Política Ambiental, em cada momento, estaria condicionada e condicionaria configurações subseqüentes assumidas pelo trinômio cultura-técnica-ambiente em seu processo de construção gradativa. A este processo de busca e construção dar-se-ia o nome de sustentabilidade, para cuja viabilização seriam necessárias ações de socialização do Homem com elas compatíveis - a cultura política. Esta cultura política, por sua vez, dependeria de ações educativas que conduzissem a formação deste novo Homem, capaz de compreensão e crítica de seu processo de socialização, assim configurando novas relações humanas produtoras de ambientes sustentáveis segundo sua gestação política.
A entrada neste processo deve necessariamente partir da análise da complexidade do sistema político internacional, assumido em concomitância com os processos de globalização, cujo núcleo central reside no crescente número de grandes problemas que são comuns a todos os estados. Estes problemas dizem respeito ao uso dos bens, recursos e valores raros do sistema global e sobre os mesmos abrem-se fortes controvérsias entre os governos porque se trata de problemas aos quais podem ser dadas diversas soluções alternativas - problemas de reequilíbrio dos desníveis de desenvolvimento econômico entre os estados e as áreas do mundo, problemas da defesa dos direitos humanos e da democracia autônoma, problemas de auto-determinação dos povos e do respeito aos grupos étnicos minoritários, problemas dos fluxos migratórios por motivos econômicos e políticos e problemas da recolocação de grandes massas de exilados políticos e diásporas econômicas, problemas da regulamentação e regimentação dos recursos materiais comuns (espaço, atmosfera, oceanos etc) e dos recursos materiais e humanos raros, entre os quais se inclui o conhecimento científico e tecnológico.
Neste contexto geopolítico, inscreve-se contemporâneamente o termo desenvolvimento. Como um dos itens da agenda internacional, pode significar várias coisas, a cada uma das quais corresponderão processos diferenciados de regulamentação e regimentação do uso dos recursos naturais e humanos raros. Assim, a progressiva adjetivação do incontentável termo desenvolvimento, uma da idéias básicas da cultura ocidental moderna, carregada de significações que recortam desde questões relativas aos direitos universais individuais até à configuração de sistemas mundiais classificatórios dos estados e nações reflete o conflito contemporâneo de caráter político da questão do desenvolvimento mundial, e tem representado a necessidade de revisão conceitual de seus dogmas subjacentes, tais como, o progresso social, o industrialismo e a racionalização instrumental. Mais ainda, tal problemática fundamenta conjecturas como a da impossibilidade de reconstrução de utopias sociais relativas à autonomia de espaços culturais de criação do saber ou de espaços culturais territoriais diferenciáveis decorrentes das próprias dificuldades de conceituação do tempo histórico perante uma economia mundializada.
Lutamos para o renascimento destas utopias. Ou seja, pela sustentabilidade política de um ambiente humano pacifista, para cuja construção certamente deverão ocorrer aportes significativos de uma educação ambiental com ela compatível. Esta educação necessariamente deverá assentar-se sobre a reflexividade da socialização e o respeito às possibilidades diferenciais de percursos biográficos e coletivos. Dessa forma, estarão contemplados os direitos de ser o que é, conviver sendo o que se é e participar da definição das regras de convívio que permitirão cada um ser o que é.
Redes Sociais