Adicionalmente, o país é rico em sociodiversidade que co-evoluiu com a biodiversidade, estabelecendo intricadas relações de interdependência que também exigem a atenção de políticas públicas.
A Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro em 1992, é o principal marco jurídico internacional sobre biodiversidade e definiu três macro-objetivos igualmente importantes:
a) conservar a biodiversidade;
b) utilizar de forma sustentável os componentes da biodiversidade; e
c) repartir de forma justa e eqüitativa os benefícios derivados da utilização dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados.
A 6ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica definiu na Decisão VI/26 no âmbito de seu Plano Estratégico como meta geral a ser alcançada em 2010 reduzir significativamente a taxa atual de perda da biodiversidade nos níveis global, regional e nacional como uma contribuição para a redução da pobreza e para beneficiar toda a vida na terra. Esta meta foi em seguida incorporada no Plano de Ação da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável realizada em Joanesburgo na África do Sul.
Trata-se de uma meta ambiciosa que somente será alcançada se países megadiversos como o Brasil conseguirem mobilizar os esforços necessários para conter a acelerada taxa de perda da biodiversidade que se observa particularmente nos ecossistemas tropicais. A triste situação da Mata Atlântica onde já perdemos mais de 93% da cobertura florestal original é um alerta esperamos que o mesmo desperdício e destruição não ocorram com o Cerrado, com a Caatinga, com os Pampas, com o Pantanal, com a Floresta Amazônica e com a nossa Zona Costeira e Marinha.
Dentre os diversos compromissos assumidos pelo País ao ratificar sua adesão à Convenção sobre Diversidade Biológica, é importante destacar aquele previsto em seu Artigo 7o, que estabeleceu que cada país deve identificar os componentes da diversidade biológica importantes para sua conservação e para uso sustentável, bem como os processos e categorias de atividades que têm ou poderão ter impactos adversos significativos sobre a conservação e uso sustentável da diversidade biológica.
A Constituição Federal em seu Artigo 225 determina uma série de obrigações do Estado em relação à proteção do meio ambiente, dos biomas e da biodiversidade (fauna e flora). Os princípios e diretrizes da Política Nacional da Biodiversidade instituídos pelo Decreto nº 4.339, de 22 de agosto de 2002, e os objetivos do Programa Nacional da Diversidade Biológica (PRONABIO), criado pelo Decreto nº. 1.354, de 29 de dezembro de 1994, e alterado pelo Decreto nº. 4.703, de 21 de maio de 2003, que estabeleceu a Comissão Nacional de Biodiversidade (CONABIO), também reconhecem a necessidade de se identificar os componentes da biodiversidade e as áreas geográficas prioritárias para a atuação do Poder Público.
Para que se possa gerenciar adequadamente a conservação e o uso da biodiversidade é preciso conhecê-la, saber onde ocorre, conhecer seu potencial de uso bem como as pressões antrópicas que ameaçam a continuidade de sua existência. Estas informações devem estar disponíveis para todos os setores e níveis de governo bem como para todos os cidadãos de forma a orientar as tomadas de decisão sobre o uso das terras e das águas.
Foi com esse objetivo que o Ministério do Meio Ambiente coordenou entre 1997 e 2002 um amplo esforço nacional de consultas, que mobilizou mais de mil especialistas e as melhores instituições públicas e privadas, na "Avaliação de Áreas e Ações Prioritárias para a Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade nos Biomas Brasileiros". As melhores instituições nacionais foram mobilizadas, tais como a Universidade de São Paulo, a Universidade Federal de Pernambuco, a Universidade Federal do Pará, a Universidade Federal de Minas Gerais, a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Museu Nacional do Rio de Janeiro, o Museu Paraense Emílio Goeldi, o Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e o Instituto de Pesquisa Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
Para a realização dessas avaliações dos biomas foram formalizados cinco convênios entre o MMA, por meio do PROBIO (o Projeto de Conservação e Utilização Sustentável da Biodiversidade Brasileira), o CNPq e consórcios de instituições acadêmicas; um para o Bioma Amazônico; outro para os Biomas do Cerrado e do Pantanal; outro para o Bioma da Caatinga; outro para os Biomas da Mata Atlântica e dos Campos Sulinos; e finalmente outro para os Biomas da Zona Costeira e Marinha.
A avaliação dos biomas demandou de todas as instituições a elaboração de relatórios sobre o estado do conhecimento existente sobre os diferentes grupos biológicos do bioma e sobre aspectos sócio-econômicos e a elaboração de mapas base. Cerca de uma centena de diagnósticos prévios foram elaborados e disponibilizados pela Internet.
Para cada bioma, após esta avaliação inicial, foi realizada uma reunião com pesquisadores, tomadores de decisão, representantes da sociedade civil e dos governos estaduais e federal para a definir as áreas e ações prioritárias para a conservação e uso sustentável da biodiversidade. A metodologia das reuniões envolveu a identificação de prioridades pelos especialistas de diferentes grupos biológicos e, posteriormente, a consolidação das prioridades por grupos sub-regionais que promoveram a sobreposição e consolidação de todas as áreas identificadas. O número de sobreposições existentes em cada área definiu sua categoria de importância quanto ao estado de conservação e uso da biodiversidade. As categorias de importância consideradas foram: extrema importância, muito alta importância, alta importância e área insuficientemente conhecida, mas de provável importância biológica.
Cada avaliação por bioma resultou em um mapa com localização das áreas prioritárias, um sumário executivo, um banco de dados na Internet e um relatório técnico com a definição das áreas e ações prioritárias para a conservação e utilização sustentável da biodiversidade em cada bioma.
Após receber os resultados das avaliações dos biomas a equipe técnica do PROBIO providenciou a consolidação das informações, que resultou no livro "Biodiversidade Brasileira: Avaliação e Identificação de Áreas e Ações Prioritárias para Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira", publicado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2002.
Foi providenciada, ainda, a elaboração de um mapa síntese que apresentasse a totalidade das áreas prioritárias para todo o território nacional, que resultou na publicação do mapa "Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira" que, em síntese, apresenta as áreas e a prioridade atribuída a cada área. O mapa, publicado em novembro de 2003 foi lançado durante a Conferência Nacional do Meio Ambiente e re-editado em maio de 2004 no Dia Internacional da Biodiversidade. Este mapa foi disponibilizado juntamente com um CD-rom cujo conteúdo apresenta o texto do livro "Biodiversidade Brasileira: Avaliação e Identificação de Áreas e Ações Prioritárias para Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira" e o próprio mapa em formato PDF (e os arquivos digitais das áreas prioritárias em formato "shapefile").
Em 21 de maio de 2004, no ato comemorativo do Dia Internacional da Biodiversidade, o Presidente assinou o Decreto nº. 5.092 que definiu as regras para identificação de áreas prioritárias para a conservação, utilização sustentável e repartição dos benefícios da biodiversidade, no âmbito das atribuições do Ministério do Meio Ambiente.
Com o respaldo desse decreto foi assinada a Portaria MMA nº. 126, publicada em 27 de maio de 2004, que reconheceu essas como "Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira", ou simplesmente "Áreas Prioritárias para a Biodiversidade". Nelas constam as 900 áreas identificadas no processo de consulta descrito acima.
Cabe destacar que o mapa e a minuta da portaria foram aprovados pela Comissão Nacional de Biodiversidade CONABIO, que tem representantes dos Ministérios do Meio Ambiente; da Ciência e Tecnologia; da Saúde; da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; do Desenvolvimento Agrário, da Integração Nacional, do Planejamento, Orçamento e Gestão e das Relações Exteriores, além de representantes dos diferentes setores da sociedade civil, incluindo a Academia Brasileira de Ciências, a Associação Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), o Fórum de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e para o Desenvolvimento, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia (COIAB), a Confederação Nacional da Agricultura (CNA) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI).
A Portaria reconhece essas áreas como prioritárias para efeito da formulação e implementação de políticas públicas, programas, projetos e atividades sob a responsabilidade do Governo Federal voltados à:
I - conservação in situ da biodiversidade;
II - utilização sustentável de componentes da biodiversidade;
III - repartição de benefícios derivados do acesso a recursos genéticos e ao conhecimento tradicional associado;
IV - pesquisa e inventários sobre a biodiversidade;
V - recuperação de áreas degradadas e de espécies sobreexplotadas ou ameaças de extinção; e
VI - valorização econômica da biodiversidade.
O Parágrafo 1º do Artigo 1º da Portaria estabeleceu que a lista de Áreas Prioritárias para a Biodiversidade deverá ser revista periodicamente, em prazo não superior a dez anos, à luz do avanço do conhecimento e das condições ambientais, pela Comissão Nacional de Biodiversidade - CONABIO.
O Parágrafo 2º do Artigo 1º dessa Portaria estabeleceu que as descrições dessas áreas estão discriminadas no "Mapa das Áreas Prioritárias para a Conservação, Utilização Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira", publicado pelo Ministério do Meio Ambiente em novembro de 2003. Este mapa foi reeditado em maio de 2004, e então disponibilizado no portal eletrônico do Ministério do Meio Ambiente e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, bem como nas sedes do órgão central do IBAMA e de suas unidades descentralizadas.
O Parágrafo 3º do Artigo 1º da Portaria esclarece que a não inclusão de espaços territoriais na lista de Áreas Prioritárias para a Biodiversidade não significa ausência ou falta de importância da biodiversidade.
Já o Artigo 2º da Portaria dispõe que as ações identificadas no Artigo 1o da Portaria serão implementadas pelos órgãos e entidades responsáveis por elaborar e implementar políticas e programas relacionados com a biodiversidade, consideradas as seguintes classes de priorização:
I - prioridade extremamente alta;
II - prioridade muito alta; e
III - prioridade alta.
O Parágrafo único deste artigo estabeleceu que os órgãos e entidades de que trata este artigo deverão proceder aos estudos complementares para classificar as áreas relacionadas como insuficientemente conhecidas nas categorias definidas nos incisos I, II e III deste artigo ou para propor sua exclusão à Comissão Nacional de Biodiversidade - CONABIO.
Finalmente, o Artigo 3º informa que o disposto na Portaria não enseja restrição adicional à legislação vigente.
Deve ficar claro, portanto, que as "Áreas Prioritárias para a Biodiversidade" não devem ser confundidas com Áreas Protegidas ou com Unidades de Conservação. Deve ser esclarecido ainda que esta portaria não estabelece restrição às atividades agropecuárias. O papel do Ministério do Meio Ambiente é o de alertar a todos os setores de governo e da sociedade civil sobre as áreas geográficas mais importantes para a conservação e uso sustentável da biodiversidade brasileira. Cabe lembrar que a Constituição Federal, em seu o Artigo 225, impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.
Durante o ano de 2006, o MMA se empenhou para realizar a revisão das áreas prioritárias para a conservação, uso sustentável e repartição de benefícios da biodiversidade, o que resultou na publicação da Portaria MMA nº. 09, de 23 de janeiro de 2007 e do livro "Áreas Prioritárias para Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira: Atualização - Portaria MMA n°. 9, de 23 de janeiro de 2007. Ministério do Meio Ambiente, Secretaria de Biodiversidade e Florestas. " Brasília: MMA, 2007. (Série Biodiversidade, 31).
Estas "Áreas Prioritárias para a Biodiversidade" orientam propostas de criação de novas Unidades de Conservação pelo Governo Federal e pelos Governos Estaduais, a elaboração de novos projetos para a conservação, uso sustentável e recuperação da biodiversidade brasileira. Por exemplo, vêm fazendo uso do Mapa das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade, o Projeto de Áreas Protegidas na Amazônia (Projeto ARPA), o Projeto GEF Caatinga, o Projeto GEF Cerrado e o Projeto Corredores Ecológicos. Vários Estados vêm utilizando o "Mapa das Áreas Prioritárias para a Biodiversidade" para orientar programas e projetos estaduais de biodiversidade, como é o caso de Minas Gerais, do Paraná, de Pernambuco, de Goiás, do Tocantins, do Amazonas e do Rio Grande do Sul. O mapa das "Áreas Prioritárias para a Biodiversidade" tem sido um instrumento importante nas discussões com os setores econômicos para minimizar os impactos de projetos de infra-estrutura e de energia sobre a biodiversidade como, por exemplo, na licitação de blocos de exploração de petróleo pela Agência Nacional de Petróleo e no asfaltamento da BR-163 que liga Cuiabá a Santarém. Além disso, o mapa das -Áreas Prioritárias para a Biodiversidade tem orientado a priorização de aplicação de recursos públicos nos editais públicos do Ministério do Meio Ambiente (por meio do Fundo Nacional do Meio Ambiente - FNMA), e do Ministério do Desenvolvimento Agrário (por meio do INCRA e do PRONAF).
Bráulio Dias
Diretor de Conservação da Biodiversidade
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