Por: Marta Moraes – Edição: Alethea Muniz
O principal atrativo turístico do Parque Nacional de Anavilhanas, localizado no município de Novo Airão (AM), começou como uma brincadeira de criança. Em 1998, uma criança passou a oferecer peixes a um boto que frequentava o entorno de um restaurante flutuante ancorado na região centro-sul do Parque, em frente à principal praia urbana da cidade de Novo Airão.
Com o tempo, outros botos foram atraídos pela alimentação oferecida e a criança passou a nadar com os animais, o que chamou a atenção de visitantes do município, que passaram a comprar porções de peixes para também alimentar os botos. A partir de então, o turismo interativo entre pessoas e botos em Novo Airão se tornou o principal atrativo turístico do parque e da cidade.
Nadar com botos vermelhos era algo que a criançada da região fazia com respeito aos animais e à natureza. No entanto, o turismo de interação com os botos cresceu sem contar com nenhuma orientação técnica ou normativa e se transformou em uma atividade com muitos pontos negativos para os animais.
ALIMENTAÇÃO INADEQUADA
No início do turismo, houve muito descontrole. Alguns visitantes ofereciam aos botos pão, linguiça, biscoitos, salgadinhos e, acredite, até cerveja. “Até 2010, o turismo interativo com botos no parque era realizado sem quaisquer normas, monitoramentos e projetos que garantissem o bem-estar dos animais e a segurança dos turistas.
Tal fato vinha ocasionando problemas como aumento da competitividade natural e agressividade entre os botos, mordidas e outros ferimentos em partes do corpo dos turistas e oferecimento de alimentos de qualidade duvidosa ou que não faziam parte da dieta natural dos animais”, afirma Marcelo Vidal, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e coordenador do projeto Pesquisa e Manejo do Turismo Interativo com botos no Parque Nacional de Anavilhanas.
Sem predador nas águas e respeitado fora delas pela maioria das populações indígenas e ribeirinhas, o boto-vermelho, chamado também de boto-cor-de-rosa, nadava absoluto nos rios da Amazônia.
PENALIDADES
No Brasil não existem leis específicas proibindo a alimentação artificial de animais selvagens dentro de Unidades de Conservação (UC), mas a atividade é proibida pelo regulamento interno de algumas delas, como os Parques Nacionais da Serra dos Órgãos e do Iguaçu.
No entanto, algumas práticas observadas no Parque Nacional de Anavilhanas poderiam ser avaliadas levando-se em consideração a Lei 9.605/1998, que estabelece pena de detenção de três meses a um ano e multa para quem praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. E também considerando o Artigo 30 do Decreto Presidencial 6.514, que estabelece multas para quem molestar de forma intencional qualquer espécie de cetáceo (baleias e golfinhos), pinípede (focas, leões marinhos, morsas) ou sirênio (peixe-boi) em águas brasileiras.
PLANO
Diante dos problemas frequentes, e da escassez de normatizações específicas para o turismo de interação com golfinhos fluviais no Brasil, em março de 2010 foi criado o Grupo de Trabalho sobre Ordenamento do Turismo com Botos no Parque Nacional de Anavilhanas (GT dos Botos).
“A iniciativa envolveu pesquisadores, representantes de instituições governamentais, da iniciativa privada, da sociedade civil organizada e do conselho consultivo da UC. O objetivo era realizar uma série de ações participativas, que resultassem em um plano de ordenamento do turismo com botos que contemplasse os aspectos sociais, econômicos e ambientais relacionados à atividade”, esclarece Priscila Santos, chefe do Parque Nacional de Anavilhanas.
Como resultado das ações do GT dos Botos, em outubro de 2010 foi encaminhada uma proposta de ordenamento do turismo com botos para a Amazônia ao ICMBio, órgão gestor do parque, que évinculado ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). Enquanto a proposta é analisada nas instâncias competentes, as mudanças no turismo interativo com os botos já vêm sendo colocadas em prática no local.
AVANÇOS
Dentre as principais mudanças efetuadas na atividade destacam-se que: antes das interações os visitantes devem receber orientações sobre aspectos biológicos e conservacionistas dos botos, e somente os funcionários do flutuante são autorizados a alimentar os animais - e em quantidades e horários preestabelecidos.
Há ainda limite no número de visitantes e tempo disponível nas plataformas de interação; e não é mais permitido nadar com os botos, podendo o visitante somente permanecer, de maneira passiva, em uma plataforma submersa, com profundidade de aproximadamente 1,20 metros. De forma complementar, a Portaria 47/2012 do ICMBio estabeleceu que é vedado aos visitantes alimentar botos no Parque Nacional de Anavilhanas.
Já foi possível identificar, até o momento, 11 indivíduos que frequentam (ou frequentaram) o local conhecido como Flutuante dos Botos. “Esse número de individuos difere, por razões diversas, daquele que os funcionários do empreendimento afirmam já terem registrado, que é de 17”, explica Marcelo Vidal.
CONSCIENTIZAÇÃO
Para uma maior conscientização do setor de turismo da região, foram ofertados cursos de Ecologia Amazônica, Biologia e Conservação de Cetáceos, e Turismo Sustentável que beneficiaram, até o momento, 106 participantes envolvidos no turismo interativo, como técnicos de secretarias de meio ambiente e turismo, proprietários de hotéis e restaurantes, condutores e guias de turismo, funcionários do flutuante, entre outros.
Segundo Cleber Bechara, da operadora Katerre Ecoturismo, que atua na região, desde a implantação do ordenamento a atividade melhorou bastante, mas ainda pode avançar mais. A operadora, criada em 2004, costuma receber, mensalmente, cerca de 150 turistas que realizam o passeio até o parque.
Além do turismo de interação com os botos, o parque oferece caminhadas em trilhas terrestres na área de terra firme e no igapó (durante a seca), em trilhas aquáticas (durante a cheia), parada nas ilhas para observação de fauna e flora, visitas às praias do arquipélago e da orla de Novo Airão, e sobrevoo panorâmico. O Parque Nacional de Anavilhanas, criado em 2 de junho de 1981, possui 350 mil hectares e uma média de 30 mil visitantes anualmente.
O parque conta com três analistas e um técnico ambiental atuando na gestão da Unidade de Conservação. Essa equipe é responsável por gerir e proteger um território de características complexas: área extensa, próxima de Manaus, que serve de hidrovia entre a capital e os municípios do rio Negro e cujo arquipélago de Anavilhanas, com cerca de 400 ilhas, forma um labirinto de difícil controle de acesso.
CAPTURA É CRIME
Outro aspecto que afeta os botos é que, em algumas áreas da Amazônia, como aquelas situadas no Alto Rio Solimões, pescadores capturam e matam botos para utilizá-los como isca na pesca da piracatinga (um bagre também conhecido como urubu-d’água, por se alimentar de restos de animais mortos), prática proibida, tanto que foi estabelecida a moratória da piracatinga.
Marcelo Vidal lembra que a captura do boto é caracterizada como crime ambiental, sendo passível de detenção de seis meses a um ano, bem como aplicação de multa de R$ 5 mil por animal capturado. “Atualmente, a captura de botos para a pesca da piracatinga é uma das maiores ameaças as populações dos botos na Amazônia. Estudos do Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia (INPA) indicam que algumas populações de botos no rio Solimões estão apresentando uma rápida diminuição em seus indivíduos”, observa.
Segundo alerta Paula Pinheiro, analista ambiental e ponto focal de uso público do parque, os botos ainda são ameaçados por pescadores, por competirem com eles por peixes para se alimentarem. “Alguns pescadores matam os botos por verem os animais como competidores que prejudicam a pesca. Sofrem ainda com o risco de colisão com a hélice dos motores e se desorientam com o sonar dos navios. Muitos também morrem asfixiados ao ficarem presos nas malhadeiras embaixo d'água”, destacou ela.
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