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Conservação in situ, ex situ e on farm


Preocupados com as altas taxas de erosão de recursos genéticos e com a perda de componentes da biodiversidade e, mais ainda, interessados no incremento de esforços voltados à conservação dos recursos biológicos em todo o planeta, países, independentemente da sua condição episódica de usuário ou provedor de material genético, promoveram negociações, no âmbito do Programa das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (PNUMA), que resultou na adoção da Convenção sobre Diversidade Biológica. Recentemente, convencidos da natureza especial dos recursos fito-genéticos para a alimentação e a agricultura, conscientes de que esses recursos são motivo de preocupação comum da humanidade, cientes de sua responsabilidade para com as gerações presentes e futuras e, finalmente, considerando a interdependência dos países em relação a esses recursos, os países aprovaram, no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o Tratado Internacional sobre Recursos Fito-genéticos para a Alimentação e a Agricultura, do qual o Brasil é um dos seus membros.

Diversidade biológica ou biodiversidade são expressões que se referem à variedade da vida no planeta, ou à propriedade dos sistemas vivos de serem distintos. Engloba as plantas, os animais, os microrganismos, os ecossistemas e os processos ecológicos em uma unidade funcional. Inclui, portanto, a totalidade dos recursos vivos, ou biológicos, e, em especial, dos recursos genéticos e seus componentes, propriedade fundamental da natureza e fonte de imenso potencial de uso econômico. É também o alicerce das atividades agrícolas, pecuárias, pesqueiras,extrativistas e florestais e a base para a estratégica indústria da biotecnologia.

A conservação global da biodiversidade significa maior segurança para os programas relacionados à produção agrícola e à conservação biológica, bem como para a segurança alimentar, constituindo-se em um componente essencial para o desenvolvimento sustentável e para a própria manutenção da diversidade genética das espécies com importância sócio-econômica atual e potencial.
    
O Brasil, por sua própria natureza, ocupa posição de destaque dentre os países megabiodiversos. Conta com a mais diversa flora do mundo, número superior a 55 mil espécies descritas (24% do total mundial). Possui alguns dos biomas mais ricos do planeta em número de espécies vegetais - a Amazônia, a Mata Atlântica e o Cerrado. A Floresta Amazônica brasileira, com aproximadamente 30 mil espécies vegetais, compreende cerca de 26% das florestas tropicais remanescentes no planeta.

O País conta ainda com a maior riqueza de espécies da fauna mundial e, também, com a mais alta taxa de endemismo. Dois de seus principais biomas, a Mata Atlântica e o Cerrado, estão relacionados na lista dos 25 hotspots da Terra, sendo que a Mata Atlântica encontra-se entre os cinco mais ameaçados. Uma em cada onze espécies de mamíferos existentes no mundo são encontrados no Brasil (522 espécies), juntamente com uma em cada seis espécies de aves (1677), uma em cada quinze espécies de répteis (613), e uma em cada oito espécies de anfíbios (630) e mais de 3 mil espécies de peixes, três vezes mais do que qualquer outro país. Muitas dessas são exclusivas para o Brasil, com 68 espécies endêmicas de mamíferos, 191 espécies endêmicas de aves, 172 espécies endêmicas de répteis e 294 espécies endêmicas de anfíbios. Esta riqueza de espécies corresponde a pelo menos 10% dos anfíbios e mamíferos, e 17% das aves descritos em todo o planeta.

A composição total da biodiversidade brasileira não é conhecida e talvez nunca venha a ser na sua plenitude, tal a sua magnitude e complexidade. Nesse sentido, e considerando-se que o número de espécies existentes no território nacional, particularmente na plataforma continental e nas águas jurisdicionais brasileiras, - em grande parte ainda desconhecida, é elevado, é fácil inferir que o número de espécies, tanto terrestres quanto marinhas, ainda não identificadas, no Brasil, pode alcançar valores da ordem de dezena de milhões. Apesar dessas estimativas, a realidade é que o número de espécies conhecidas atualmente, em todo o planeta, está em torno de 1,7 milhões, valor que atesta o alto grau de desconhecimento da biodiversidade, especialmente nas regiões tropicais. Além disso, é interessante registrar que a maior parte dos conhecimentos sobre a biodiversidade no nível específico se refere a organismos de grande porte. O nosso conhecimento sobre outros organismos, a exemplo dos insetos, liquens, fungos e algas é ainda muito incipiente. A parcela da biodiversidade menos conhecida está localizada na copa das árvores, no solo e nas profundezas marinhas.

Em relação aos recursos fitogenéticos, estimativas da FAO indicam a existência, em âmbito mundial, de cerca de 6,5 milhões de acessos de interesse agrícola mantidos em condição ex situ. Desse total, 50% são conservados em países desenvolvidos, 38% em países em desenvolvimento e 12% distribuídos nos Centros Internacionais de Pesquisa (IARCs), do Grupo Consultivo Internacional de Pesquisa Agrícola (CGIAR).

Os recursos genéticos são mantidos em condições in situ, on farm, e ex situ. A conservação in situ de recursos genéticos é realizada, basicamente, em reservas genéticas, reservas extrativistas e reservas de desenvolvimento sustentável. Naturalmente, a conservação in situ de recursos genéticos pode ser organizada também em áreas protegidas, seja de âmbito federal, estadual ou municipal. As reservas genéticas, por exemplo, são implantadas e mantidas em áreas prioritárias, de acordo com a diversidade genética de uma ou mais espécies de reconhecida importância científica ou sócio-econômica. Teoricamente, essas reservas podem existir dentro de uma área protegida, de uma reserva indígena, de uma reserva extrativista e de uma propriedade privada, entre outras.

Nos termos da Convenção sobre Diversidade Biológica, conservação in situ é definida como sendo a conservação dos ecossistemas e dos habitats naturais e a manutenção e a reconstituição de populações viáveis de espécies nos seus ambientes naturais e, no caso de espécies domesticadas e cultivadas, nos ambientes onde desenvolveram seus caracteres distintos. A conservação in situ apresenta algumas vantagens, tais como: (i) permitir que as espécies continuem seus processos evolutivos; (ii) favorecer a proteção e a manutenção da vida silvestre; (iii) apresentar melhores condições para a conservação de espécies silvestres, especialmente vegetais e animais; (iv) oferecer maior segurança na conservação de espécies com sementes recalcitrantes e (v) conservar os polinizadores e dispersores de sementes das espécies vegetais. Deve-se considerar, entretanto, que este método é oneroso, visto depender de eficiente e constante manejo e monitoramento, pode exigir grandes áreas, o que nem sempre é possível, além do que a conservação de uma espécie em um ou poucos locais de ocorrência não significa, necessariamente, a conservação de toda a sua variabilidade genética.

A conservação on farm pode ser considerada uma estratégia complementar à conservação in situ, já que esse processo também permite que as espécies continuem o seu processo evolutivo. É uma das formas de conservação genética da agrobiodiversidade, um termo utilizado para se referir à diversidade de seres vivos, de ambientes terrestres ou aquáticos, cultivados em diferentes estados de domesticação. A conservação on farm apresenta como particularidade o fato de envolver recursos genéticos, especialmente variedades crioulas - cultivadas por agricultores, especialmente pelos pequenos agricultores, além das comunidades locais, tradicionais ou não e populações indígenas, detentoras de grande diversidade de recursos fito-genéticos e de um amplo conhecimento sobre eles. Esta diversidade de recursos é essencial para a segurança alimentar das comunidades. Dentre os principais recursos fito-genéticos mantidos a campo pelos pequenos agricultores brasileiros estão a mandioca, o milho e o feijão. Contudo, muitos recursos genéticos de menor importância para a sociedade "moderna" são também mantidos, podendo-se citar como exemplos uma série de espécies de raízes e tubérculos, plantas medicinais e aromáticas, além de raças locais de animais domesticados (suínos, caprinos e aves, entre outros). A manutenção desses materiais on farm, com ênfase para as variedades crioulas, envolve recursos nativos e exóticos adaptados às condições locais. Outra particularidade é que estas variedades crioulas, mesmo deslocadas de suas condições naturais, continuam evoluindo na natureza, já que estão permanentemente submetidas à diferentes condições edafoclimáticas.

A conservação ex situ, por sua vez, envolve a manutenção, fora do habitat natural, de uma representatividade da biodiversidade, de importância científica ou econômico-social, inclusive para o desenvolvimento de programas de pesquisa, particularmente aqueles relacionados ao melhoramento genético. Trata da manutenção de recursos genéticos em câmaras de conservação de sementes (-20º C), cultura de tecidos (conservação in vitro), criogenia - para o caso de sementes recalcitrantes, (-196º C), laboratórios - para o caso de microorganismos,  a campo (conservação in vivo), bancos de germoplasma - para o caso de espécies vegetais, ou em núcleos de conservação, para o caso de espécies animais. A conservação ex situ implica, portanto, a manutenção das espécies fora de seu habitat natural e tem como principal característica: (i) preservar genes por séculos; (ii) permitir que em apenas um local seja reunido material genético de muitas procedências, facilitando o trabalho do melhoramento genético; (iii) garantir melhor proteção à diversidade intraespecífica, especialmente de espécies de ampla distribuição geográfica. Este método implica, entretanto, na paralisação dos processos evolutivos, além de depender de ações permanentes do homem, visto concentrar grandes quantidades de material genético em um mesmo local, o que torna a coleção bastante vulnerável.

As três formas de conservação, in situ, on farm e ex situ, são complementares e formam, estrategicamente, a base para a implementação dos três grandes objetivos da Convenção sobre Diversidade Biológica: i) conservação da diversidade biológica; ii) uso sustentável dos seus componentes e iii) repartição dos benefícios derivados do uso dos recursos genéticos. A conservação on farm vem recebendo crescente atenção nos diversos fóruns internacionais relacionados à temática da conservação dos recursos genéticos. Nesse contexto, a Convenção sobre Diversidade Biológica, por meio das suas Conferências das Partes, tem dado especial atenção a essa questão, considerando que: i) o campo da agricultura oferece oportunidade única para o estabelecimento de ligação entre a conservação da diversidade biológica e a repartição de benefícios decorrentes do uso desses recursos; ii) existe uma relação próxima entre diversidade biológica, agronômica e cultural; iii) a diversidade biológica na agricultura é estratégica, considerando os contextos sócio-econômicos nos quais ela é praticada e as perspectivas de redução dos impactos negativos sobre a diversidade biológica, permitindo a conciliação de esforços de conservação com ganhos sociais e econômicos; iv) as comunidades de agricultores tradicionais e suas práticas agrícolas têm uma significativa contribuição para a conservação, para o aumento da biodiversidade e para o desenvolvimento de sistemas produtivos agrícolas mais favoráveis ao meio ambiente; v) o uso inapropriado e a dependência excessiva de agro-químicos têm produzido efeitos significativos sobre os ecossistemas, com impactos negativos sobre a biodiversidade; e, finalmente, os direitos soberanos dos Estados sobre seus recursos biológicos, incluindo os recursos genéticos para alimentação e agricultura. Esse posicionamento dos países nas Conferências das Partes tem permitido, além do estabelecimento de um programa de longo prazo voltado especificamente às atividades sobre agrobiodiversidade, um crescente avanço na discussão e implementação de ações relacionadas à conservação e promoção do uso dos recursos da biodiversidade agrícola.

Nos últimos anos ocorreram, em âmbito mundial, importantes avanços relacionados à conservação e à promoção do uso dos recursos genéticos. Em junho de 1996, a Conferência Técnica Internacional sobre Recursos Fitogenéticos, realizada em Leipzig, Alemanha, no âmbito da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação – FAO, aprovou o Plano Global de Ação para a Conservação e a Utilização Sustentável dos Recursos Genéticos para a Agricultura e a Alimentação que tem, basicamente, como prioridades: (i) a Conservação in situ e o Desenvolvimento; (ii) a Conservação ex situ; (iii) a Utilização dos Recursos Fitogenéticos; e (iv) a Capacitação das Instituições

Em novembro de 2001, foi aprovado, no âmbito da FAO, o Tratado Internacional de Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura que prevê, entre os seus objetivos, a conservação e o uso sustentável dos recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura e a repartição justa e eqüitativa dos benefícios derivados de seu uso, em harmonia com a Convenção sobre Diversidade Biológica, para a sustentabilidade da agricultura e a segurança alimentar.

No Brasil, o despertar da consciência conservacionista conta com mais de meio século de decisões políticas, influenciadas pela ciência e pela sociedade preocupadas com as condições do meio ambiente e, especialmente, com a conservação da flora e da fauna. Nas ultimas duas décadas tem havido um crescente envolvimento do Governo Federal, bem como uma maior conscientização da sociedade civil nos assuntos relativos à conservação da biodiversidade.

Nas últimas décadas, as atividades ligadas à conservação dos recursos genéticos no País tiveram um considerável impulso, assegurando posição de destaque entre os países tropicais. Os avanços conduzidos por alguns órgãos de pesquisa, a exemplo da Empresa Brasileira de pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, particularmente por meio da EMBRAPA Recursos Genéticos e Biotecnologia, estão sendo fundamentais para o avanço do País na conservação e utilização dos seus recursos genéticos. Paralelamente, o Brasil experimentou avanços significativos na implantação de Unidades de Conservação, ampliando fortemente a conservação in situ da biodiversidade e a promoção da utilização sustentável dos recursos genéticos nativos.  A conservação on farm, apesar de ser um dos métodos mais tradicionais de conservação, é ainda bastante fragmentada no país, apesar dos recentes avanços experimentados nos últimos anos. Há de se reconhecer que a sociedade civil organizada exerce, atualmente, uma forte liderança na conservação on farm de recursos genéticos, promovendo não apenas o uso sustentável, mas também o intercâmbio de recursos genéticos entre os agricultores, dentro e entre comunidades. Neste contexto, deve-se destacar a relevância dos movimentos sociais (Movimento dos Pequenos Agricultores, Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais, Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e das ONGs, principalmente daquelas organizadas em redes, caso da Rede Ecovida e Rede Cerrado, por exemplo), que são considerados importantes atores na organização e articulação política e social das comunidades.

Contudo, apesar desses avanços, deve-se reconhecer que a conservação dos recursos genéticos no País, um dos principais países de megadiversidade, está longe da condição ideal. Faltam inventários relativos às instituições (governamentais, não-governamentais e movimentos sociais) envolvidas na conservação in situ, on farm e ex situ de recursos genéticos (fauna, flora e microrganismos); representatividade, tanto em termos regionais quanto nos biomas; infraestrutura existente em cada coleção; nível de uso e intercâmbio de recursos genéticos, bem como informações sobre as necessidades e as medidas necessárias para a conservação desses materiais a curto, médio e longo prazos.

 

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