Falta muito pouco para, 20 anos depois de ter sido vista pela última vez na natureza, a ararinha-azul voltar à Caatinga do Nordeste brasileiro. O passo mais delicado da operação que vai reintroduzir o animal extinto em seu habitat natural é justamente o momento em que animais criados em cativeiro serão soltos. Justamente por isso, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), autarquia vinculada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA), se baseou em estudos e testes para chegar à conclusão de que o mesmo deve ser feito aos poucos, em momentos diferentes.
Um dos primeiros passos do Plano de Ação Nacional (PAN) Ararinha-Azul (Cyanopsitta spixii) foi trabalhar para ter no Brasil 50 indivíduos da espécie no Centro de Reprodução e Soltura da Ararinha-Azul, construído em Curaçá, na Bahia. Foi lá que os últimos exemplares selvagens do animal foram observados. Agora, elas serão divididas em grupos que serão soltos ou mantidos em cativeiro para estabelecer a reintrodução e aumentar as chances de sucesso da empreitada.
As aves são provenientes de criadouros da Alemanha e do Qatar, ou seja, nunca estiveram livres na natureza. Dessa forma, é necessário o treino do animal para que ele possa sobreviver sozinho, como explica Camile Lugarini, analista ambiental do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (Cemave), do ICMBio, e coordenadora do projeto.
“Estamos trabalhando com um projeto de captura de aves Maracanã que vão formar grupo com essas ararinhas-azuis. A primeira soltura terá dez ararinhas-azuis e outras dez maracanãs capturadas na natureza”, explica Lugarini. “As maracanãs ainda vivem na região, são psitacídeos, a mesma família da ararinha, e têm os mesmos hábitos, tanto alimentares quanto de dormitório. Elas vão ajudar as ararinhas a escolher os melhores locais para dormir, descansar, reproduzir e se alimentar.”
Lugarini conta que essa primeira soltura deve ocorrer no primeiro ano, após a adaptação das aves em um gigantesco recinto construído em meio à Caatinga. Como a reintrodução da espécie é uma ação inédita, não é possível ter certeza do resultado, então todas as experiências de reintrodução de psitacídeos que já foram feitas estão sendo levadas em conta, como por exemplo a dos papagaios-do-peito-roxo, no Parque Nacional das Araucárias, no Paraná.
Soltura relaxada – “O ideal é que essa primeira soltura seja bem relaxada, para que no primeiro ano possamos manter as ararinhas o mais próximo possível do local de soltura, que é uma área com mais restrição e com menos gente tendo acesso”, ressalta a coordenadora. “Por isso vão ser implantados comedouros que serão abastecidos diariamente para que elas sejam fiéis a esses locais e a gente consiga contar quantos animais permaneceram e quantos animais saíram dali.”
Ainda segundo Lugarini, a soltura das aves deve ser branda, com bastante cuidado e delicadeza para que as perdas sejam minimizadas. “Vamos trabalhar para não perder nenhum animal, mas sabemos que a morte é um processo natural no meio ambiente.”
Segundo grupo – Ugo Vercillo, analista ambiental da Coordenação de Ações Integradas para Conservação de Espécies do ICMBio e também integrante do projeto, conta que a segunda leva de ararinhas só deve ser solta na natureza cerca de seis meses depois do primeiro grupo.
“O primeiro grupo será aquele com as maracanãs, aves nativas que devem mostrar a área ao recém-chegados. No semestre seguinte, soltaríamos o segundo grupo de ararinhas, dessa vez com 20 indivíduos. O objetivo é que essas 20 aves encontrem as outras dez ararinhas já estabelecidas no habitat”, explica Vercillo.
Filhotes – Apenas soltar aves criadas em cativeiro não garante a reintrodução da espécie em extinção. A equipe de especialistas do ICMBio espera que as ararinhas façam seus ninhos na Áreas de Preservação Ambiental demarcada para elas, mas vai ajudar no crescimento populacional das aves por meio de reprodução controlada.
Alguns dos animais vindos do exterior ficarão no Centro de Reprodução, como explica Ugo. “A terceira fase do cronograma de soltura já será com animais que nasceram no Centro de Reprodução, entre este ano e 2021. Além disso, firmamos um acordo com dois países e os respectivos mantenedores dos animais para que todos os criadouros enviem 70% dos filhotes que nascerem todos os anos. A ideia é que as ararinhas venham da Alemanha e da Bélgica, além de uma fazenda de Minas Gerais, para que possamos sempre fazer a reintrodução de animais no ambiente natural. Isso até que a gente veja que a população está estável, está se reproduzindo e que de fato não precise mais de ajuda do homem”, destaca o biólogo.
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