Carlos Américo
Há 15 anos, uma ideia simples e pioneira começou a mudar a realidade de jovens e adultos que vivem na Amazônia. É o projeto Casa Familiar Rural (CFR), da Fundação Viver, Produzir e Preservar (FVPP) que, por meio da educação, dá novas oportunidades à população de oito municípios do Pará de permanecer no campo, melhorando a produtividade das terras e preservando o meio ambiente.
O projeto teve início em Medicilândia, um município pequeno, no interior do estado, atualmente com 30 mil habitantes, e cortado pela rodovia Transamazônica. De lá pra cá, os resultados positivos permitiram que a ideia fosse ampliada e, hoje, o Casa Familiar também está nos municípios paraenses Rurópolis, Placas, Uruará, Brasil Novo, Altamira, Anapu e Pacajá.
E os planos de expansão não param por aí. Com apoio do Ministério do Meio Ambiente, a Fundação Viver, Produzir e Preservar vai sistematizar as experiências nas oito Casas com o objetivo de replicar a experiência nos 43 municípios do Arco Verde - municípios que mais desmatam a Amazônia. O Subprograma Projetos Demonstrativos (PDA) do MMA vai investir R$ 430 mil nesta nova etapa do projeto.
O Casa Familiar possui hoje 542 alunos matriculados e já beneficiou mais de 400 ao longo desses anos. O projeto oferece formação nos ensinos fundamental e médio, além de um curso profissionalizante em agropecuária. O CFR usa um sistema de alternância entre teoria e prática, em que os alunos passam duas semanas na escola e 21 dias em casa, aplicando em suas propriedades as lições aprendidas em sala de aula.
Segundo Ana Paula Souza, coordenadora da FVPP em Altamira (PA), enquanto o aluno está na Casa são disseminados ensinamentos que estimulam uma nova visão de produção no campo despertando nos estudantes a visão da sustentabilidade ambiental.
Lá, os alunos aprendem a melhorar a produção de diversas culturas como a mandioca, o arroz, o cacau, a avicultura, a piscicultura, criação de bovinos, caprinos, entre outras. "Esta geração é mais sensível às questões ambientais, como os efeitos negativos do desmatamento e das mudanças climáticas. E isso desperta a sensibilidade das famílias também", ressaltou.
Ela explicou ainda que essa mudança de visão é feita de forma gradual, sem crucificar as famílias que ainda usam métodos inadequados ou ultrapassados, muitas vezes por desconhecerem uma melhor alternativa. "A gente quer uma transformação do pensamento com debates". Para ajudar essa nova concepção de produção no campo, os técnicos, que também são professores na Casa, fazem visitas às comunidades para verificar como está a implantação dos novos modelos de produção e debatem sobre os métodos e técnicas agropecuárias com as famílias.
Recomeço
Josilene Diogo, de 19 anos, voltou a estudar em 2007 quando conheceu o Casa Familiar Rural. "Não sabia o que ia fazer da vida. Quando terminei a quarta série parei de estudar porque não tinha escola perto da minha casa, e não queria ir para a cidade e passar o ano longe dos meus pais", contou. Como o Casa Familiar Rural usa a metodologia de alternância, ela viu uma oportunidade de recomeçar.
Hoje, Josilene tem uma nova perspectiva para o futuro. "Este ano fiz um projeto de produção sustentável que pode melhorar a produção de cacau na propriedade do meu pai com novas técnicas", contou. Essa iniciativa é o Projeto Profissional do Jovem, uma espécie de Trabalho de Conclusão de Curso em que os alunos visualizam como pode melhorar a produção em sua propriedade, com base nos ensinamentos da Casa Familiar Rural. "Se a gente não colocar em prática, quem vai colocar?", avalia. Além do cacau, ela criou uma horta agroecológica.
Os alunos da Casa Familiar também aprendem que é possível produzir mais e preservar o meio ambiente ao mesmo tempo. A maioria dos alunos já aprendeu que a técnica de plantar cacau, cultura forte na região, sem queimar a roça para plantar é um bom negócio. "Sem o fogo a fruta fica melhor", explica Ademir Júnior, 15 anos. Quando voltam à escola, os alunos participam de uma roda de debates onde falam da prática na propriedade.
Para Valdinei Rodrigues, 26 anos, a CFR é a oportunidade que faltava para voltar a estudar. "É uma oportunidade única. Agora eu aprendo e ainda tenho tempo de ajudar meus pais na produção na nossa propriedade", contou. Aos 26 anos, ele acredita que pode ir mais longe. "Meu objetivo é terminar a Casa Familiar Rural e fazer engenharia ambiental", ressaltou, lembrando que a consciência ambiental é importante para a credibilidade da produção.
A rotina dos alunos durante as duas semanas em que estão na Casa Familiar Rural é puxada. Aulas de manhã e à tarde, com seminários, discussão de projetos, leituras comentadas e experiências nas roças da escola. À noite são desenvolvidas atividades diferentes, com participação da universidade e sindicatos de produtos dos municípios. "Quando estou na minha casa, não vejo a hora de voltar para a escola para aprender e contar minhas experiências", conta Josilene.
Equilíbrio Ambiental
O coordenador do Programa Projetos Demonstrativos (PDA) do MMA, Klinton Senra, acredita que as Casas Familiares Rurais contribuem para a valorização dos jovens do campo e para a inserção de sistemas alternativos de produção socialmente mais justos e ambientalmente mais equilibrados. Ele ainda lembra que essas iniciativas ajudam o Brasil a atingir a meta de redução de desmatamento, assumida na Convenção do Clima. "Ações como esta ajudam o País a atingir suas metas de redução do desmatamento ao trazer os jovens do campo para o debate das questões ambientais e a disseminar técnicas produtivas mais sustentáveis do ponto de vista ambiental e social", avalia.
Para a coordenadora Ana Paula, a sistematização dos processos, financiada pelo MMA, será uma espécie de balanço para avaliar como será o futuro do projeto. De acordo com ela, dois pontos garantem o sucesso da CFR: a escola trabalha diretamente para os filhos de agricultores e a gestão é compartilhada com a Fundação, municípios e os pais dos alunos. No entanto, faltam mecanismos legais que garantam recursos para a iniciativa.
Por turma, os custos não são muito elevados, mas, mesmo assim, a entidade tem dificuldades de arcar sozinha com as despesas e conta com a parceria de prefeituras e dos próprios pais dos estudantes para garantir os períodos de alternância entre escola e casa e a alimentação. "Cada alternância custa em média R$ 10 mil. As famílias ajudam com a alimentação e também realizam atividades para arrecadar mais recursos, como a Festa do Milho", explicou Ana Paula.
Vereadores, presidentes sindicais e lideranças comunitárias estudaram na Casa Familiar Rural no Pará. A FVPP adaptou para a Amazônia a experiência francesa de Casa Familiar Rural para a Amazônia. Em 1937, grupos de famílias do campo viram nesse projeto a oportunidade de formar profissionais e educar seus filhos.
A FVPP é uma organização sem fins lucrativos, fundada em 1991, pela iniciativa das organizações camponesas, movimentos pastorais e populares urbanos e de educadores da Rodovia Transamazônica e do Rio Xingu na Região da Transamazônica. A fundação é formada por organizações sociais que têm atuado nos principais momentos da história política da região Transamazônica.
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