Marluza Mattos
A Lei da Mata Atlântica foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, nesta sexta-feira (22), em solenidade no Palácio do Planalto. Sua aprovação na Câmara dos Deputados, no dia 29 de novembro, foi resultado de um amplo acordo partidário, que pôs fim a uma negociação de 14 anos no Congresso Nacional. O Projeto de Lei 3.285, que trata do assunto, foi apresentado pelo deputado Fábio Feldman em 1992.
A nova lei consolida os limites da Mata Atlântica, atribui função social à floresta e estabelece regras para seu uso. É um marco importante na preservação do bioma, já que com ela será mais fácil proteger a Mata Atlântica, o mais ameaçado de todos os biomas brasileiros. "Para expandir a fronteira do futuro, para que o novo não seja a reiteração do antigo, é necessário renovar a compreensão sobre nós mesmos. Para tanto, é indispensável ouvir a voz da história. Nada poderia ser mais simbólico desse aprendizado humano do que encerrar o ano de 2006 sancionando uma lei que paga uma dívida com as nossas origens", disse o presidente Lula, logo após a sanção da lei. "À riqueza original da Mata Atlântica incorporou-se um valioso alarme histórico. Trata-se do mais eloqüente e pedagógico alerta sobre um caminho que não devemos, não podemos e, sobretudo, não precisamos mais repetir", salientou o presidente, referindo-se ao tempo de tramitação do projeto no Congresso.
Segundo Lula, é preciso aliar produção de riqueza e preservação da natureza para garantir o futuro de um povo. Para ele, não é possível dissociar o destino da natureza do destino da sociedade e de seu desenvolvimento. "Chico Mendes não era contra o progresso que leva saúde, educação, oportunidades, empregos e renda às populações mais pobres e isoladas do nosso território. Tampouco a irmã Dorothy Stang pregava o isolamento idílico das comunidades indígenas da Terra do Meio. Ambos se opunham, na verdade, à lógica excludente que faz do progresso uma pista de mão única, na qual o povo é mantido como viajante cativo da segunda classe e a natureza se transforma em carga ilegal no vagão clandestino", disse o presidente.
Lula citou os avanços da área ambiental nos últimos quatro anos, mencionando, além da Lei da Mata Atlântica, a Lei de Gestão de Florestas Públicas, em fase de regulamentação, e na queda do desmatamento da Amazônia por dois períodos consecutivos, que resultou na redução de 52% da taxa acumulada de desmatamento. "Provamos que é possível reconciliar os sistemas produtivos com as aspirações humanistas igualitárias e ecológicas do nosso povo e do nosso tempo. É o que a nossa querida ministra Marina tem feito com equilíbrio e firmeza". De acordo com Lula, deve-se à ministra uma mudança importante no vocabulário ecológico do país: a substituição da expressão "não fazer" pela expressão "como fazer" .
O presidente ainda chamou a atenção para o funcionamento do sistema de licenciamentos ambientais no país. "No Brasil, habitualmente, se fazia projeto, contrato, licitação e, depois que a obra estava pela metade, buscava-se a licença prévia do empreendimento. Daí, quando era concedida a licença, quem pagava o pato eram aqueles que defendiam o meio ambiente, que queriam preservar. Isso, no nosso governo, acabou", argumentou Lula.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, comemorou a sanção da nova lei. "Estamos, aqui, fazendo algo de extremamente afirmativo", disse, ao destacar a participação da sociedade na luta por um marco legal para a Mata Atlântica. "Com essa lei, a proteção, a conservação e o uso sustentável do bioma passam a ser uma obrigação do país".
Marina Silva lembrou ainda que, a partir deste momento, a sociedade assume um novo compromisso com a implementação da lei. Segundo a ministra, a contribuição do governo federal, nos últimos quatro anos, para a conservação da Mata Atlântica, é muito significativa. Ela citou como exemplo a criação de 300 mil hectares de unidades de conservação na área coberta pelo bioma e a redução de 50% na sua taxa de desmatamento.
A ministra agradeceu aos parceiros na sociedade, em especial à Rede de ONGs da Mata Atlântica, aos diferentes partidos que compõe o Congresso Nacional. Ela lembrou que a data da sanção da Mata Atlântica marca o aniversário de morte de Chico Mendes. "Ele, como o senhor, presidente, foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional por dizer que 'agora é a hora da onça beber água'. O que estamos celebrando aqui é parte da luta de Chico Mendes. Ele doou a vida pela Amazônia e por todos os biomas".
A coordenadora da Rede de ONGs da Mata Atlântica, Miriam Prochnow, disse, na solenidade, que a sanção da lei é motivo de festa. "Mas agora começa um trabalho difícil, que é concretizar a lei". Ela pediu o auxílio do presidente para que o país possa acabar com o preconceito "de que ambientalista é contra desenvolvimento". De acordo com Miriam, a gestão da ministra Marina Silva já provou que essa tese está equivocada. Em homenagem, ela deu à ministra uma orquídea. O presidente recebeu uma muda de pau-brasil. "Essa é a última muda que tínhamos. Ela sobrou dos últimos dois anos de manifestações pela aprovação do projeto", brincou.
O ex-deputado Fábio Feldman, autor do projeto que deu origem à lei, também comemorou a sanção da lei e destacou o desempenho de Marina Silva no ministério. "Os ambientalistas têm o reconhecimento do trabalho da ministra. Para nós, ela é um grande símbolo". Ele agradeceu o suporte político do governo federal para aprovação da lei no Congresso.
O Ministério do Meio Ambiente acredita que, com a nova lei, será possível conter a destruição da Mata Atlântica. A degradação no bioma avançou nos últimos anos sob a justificativa de que, como área improdutiva, a floresta poderia ser desapropriada para fins de assentamento rural ou loteamento. A partir de agora, ela adquire função social. Os proprietários com passivos ambientais poderão adquirir e doar ao governo áreas de Unidades de Conservação equivalentes ao que deveria ser a reserva legal de suas propriedades.
Além disso, incentivos fiscais e econômicos estão previstos para os proprietários de terras que têm área com vegetação nativa primária, conhecida como mata virgem ou secundária, em estágio avançado e médio de regeneração - são aquelas resultantes de um processo natural de recuperação.
A nova lei define critérios para proteger esse tipo de vegetação. Quanto maior o grau de preservação da área, maior o número de critérios para orientar o seu uso. Ao contrário do que é comum na legislação ambiental, o projeto não apenas proíbe ações no bioma. Ele permite a exploração racional da Mata Atlântica, desde que as rígidas regras para a preservação sejam respeitadas. Ela ainda destina para agricultura, ou para loteamentos, as áreas onde o processo de regeneração dos remanescentes da Mata Atlântica está em fase inicial, ou seja, onde a vegetação teve menos de 10 anos para se recuperar. Mesmo assim, essa ocupação deve levar em conta a legislação que já está em vigor, como a exigência da proteção de nascentes e a reserva legal. Na lei, consta que cabe ao Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) definir o que é vegetação primária e secundária e quais são seus diferentes estágios de preservação. Definição, essa, que já foi feita e que deverá ser ajustada a partir de agora. Ela cria também o Fundo de Restauração do Bioma Mata Atlântica para financiar projetos de restauração ambiental e pesquisa científica.
Quanto às penalidades, a Lei da Mata Atlântica incrementa a Lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, que impõe sanções aos que desrespeitam os critérios de preservação, causando danos à fauna, à flora e aos demais atributos da vegetação nativa. Assim, quem destruir ou danificar a vegetação primária ou secundária, em estágio avançado ou médio de regeneração, poderá ser punido com detenção de um a três anos e multa.
Dados sobre a exploração da Mata Atlântica
Quando os portugueses chegaram ao Brasil, o país tinha 1,3 milhão de Km² de Mata Atlântica. Ou seja, 15% do território brasileiro era coberto pelas diferentes formações florestais do bioma. Dados preliminares dos Mapas de Cobertura Vegetal Nativa dos Biomas Brasileiros, divulgados na última quarta-feira (20/12), pelo Ministério do Meio Ambiente, revelam que a Mata Atlântica compreende uma área equivalente a 27,44% da sua cobertura original. O ano base desse trabalho é 2002.
Levantamento da Fundação SOS Mata Atlântica, desenvolvido com metodologia diferente, já havia indicado que pouco mais de 7% da cobertura original do bioma encontrava-se em bom estado de conservação. Ambos os percentuais apresentam a Mata Atlântica como o bioma mais devastado do país. Esse é o resultado da exploração predatória, que teve início com a colonização portuguesa e, ao longo do tempo, só cresceu. De 1990 a 1995, mais de 500 mil hectares foram destruídos para dar lugar à expansão das cidades, aos assentamentos de reforma agrária, à pecuária e ao plantio de pinus e de eucaliptos para produzir a lenha que será utilizada na secagem do fumo.
A floresta também sofre com o chamado "corte seletivo": a derrubada de árvores com mais de 40 cm de diâmetro. Assim, os melhores exemplares de perobas, cedros, araucárias, imbuias e outras espécies nobres foram e são retirados da Mata Atlântica. Sobram árvores frágeis, tortas e raquíticas e poucas em fase adulta, quando são capazes de produzir sementes.
Características do bioma
Em algumas regiões, a Mata Atlântica é caracterizada por árvores emergentes de até 40 metros de altura e densa vegetação arbustiva. Em outras, é caracterizada pela mata de araucárias. Há áreas que são constituídas por fartas árvores de 25 a 30 metros, que perdem as folhas durante o inverno. O bioma se desenvolve ao longo da costa brasileira, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte. Ele abrange, total ou parcialmente, 3.409 municípios em 17 estados. Em alguns deles, como Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo, estende-se pelo interior, até os limites com a Argentina e Paraguai.
Na Mata Atlântica, são gerados 70% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, o que justifica a sua importância estratégica para o desenvolvimento sustentável. O bioma ajuda a regular o clima, a temperatura, a umidade e as chuvas. Beneficia 120 milhões de brasileiros. Assegura a fertilidade do solo, protege escarpas de serras e encostas de morros. Também preserva as nascentes e fontes, regulando o fluxo dos mananciais de água que abastecem cidades e comunidades do interior.
Considerada Patrimônio Nacional pela Constituição Federal, a Mata Atlântica é um dos biomas mais ricos do mundo em biodiversidade. Estudos recentes revelam que ela pode possuir a maior diversidade de árvores do planeta. Nela são encontras espécies endêmicas, que não ocorrem em nenhum outro lugar. É o caso de 73 espécies de mamíferos, dentre elas, 21 espécies e subespécies de primatas. Das 627 espécies ameaçadas de extinção, segundo levantamento de 2003, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Renováveis (Ibama), a Conservation Internacional aponta que 185 vertebrados, 118 aves, 16 espécies de anfíbios, 38 mamíferos e 13 espécies de répteis pertenciam à Mata Atlântica.
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