Íntegra do discurso da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, na sessão plenária de encerramento da COP-8, em Curitiba, nesta sexta-feira (31).
Senhoras e Senhores,
É com sensação de orgulho, satisfação e confiança que, em nome do Governo Brasileiro, dirijo-me a todos para as minhas palavras finais nesta Conferência. Já se passam dois anos desde que, em Kuala Lumpur, durante a
COP-7, anunciei a intenção de que o Brasil pudesse sediar esta Reunião. Neste período, preparamo-nos com dedicação para que este evento pudesse acontecer dentro das expectativas de todos.
Conhecendo quão altas são essas expectativas e quão bem foram organizadas outras reuniões, o Brasil não poupou esforços para que pudéssemos ter uma reunião que fosse marcada não apenas pela qualidade dos serviços e
instalações oferecidos aos delegados, mas, principalmente, pelo espírito de engajamento e compromisso de todos. Hoje, sinto-me gratificada ao constatar que alcançamos esse objetivo.
Muita gente contribuiu para que isso acontecesse. Difícil nomear as pessoas, mas gostaria de registrar, em particular, toda a equipe de diversos órgãos do Governo Federal, do Governo do Estado do Paraná, da Prefeitura Municipal de Curitiba, do Secretariado da Convenção sobre Diversidade Biológica, entre outros que foram fundamentais para o sucesso desta reunião. Não se faz uma reunião como esta sem uma atitude de responsabilidade e de comprometimento e foi isso o que encontrei em cada pessoa que trabalhou para o seu êxito.
Os números da Conferência são expressivos: mais de 4000 participantes, sem contar a imensa legião de colaboradores que, embora não contabilizados oficialmente pelo Secretariado, participaram ativamente de diversos
trabalhos, reuniões e eventos. Manifesto-me particularmente satisfeita com a intensa participação da sociedade civil brasileira e estrangeira que, relembrando a histórica Cúpula do Rio, acorreu a Curitiba para participar, influenciar, pressionar, discutir, debater.
Temas tão complexos como os desta Conferência só avançam com a participação qualificada e legitimada da maior variedade possível de atores. Essa participação tem que ser reforçada e encorajada, sempre. Os diversos eventos paralelos desta COP buscaram, sempre, servir de base para que se pudesse lograr avanços nas discussões e negociações dos temas da agenda oficial da COP. Não se pode subestimar o impacto e a força desses encontros que servem como foros de discussão e aprofundamento, nem sempre possível no formato
oficial da COP.
No que tange às decisões oficiais, os avanços da COP-8 são significativos no presente contexto. Tratamos aqui de temas de alta complexidade e que são afetados por uma grande variedade de atores regionais e setoriais. Disse, na
abertura desta Conferência, que desde a Cúpula do Rio, em 1992, o contexto das negociações internacionais na área de meio ambiente se caracteriza, cada vez mais, como um debate sobre desenvolvimento.
Por essa razão, essas negociações têm sido cada vez mais complexas e têm envolvido um número sempre maior de atores, que tinham, antes, uma participação apenas pontual. Esse fato requer uma nova dinâmica de
negociação e de incorporação de interesses, o que torna os processos mais complexos, mas os torna também mais seguros. Devemos, portanto, buscar soluções e resultados que se revistam de mais legitimidade, refletindo o
conjunto de valores e expectativas em torno delas.
Alguns dos resultados da COP-8 expressam bem o que digo.
Refiro-me, inicialmente, à decisão que avança significativamente em direção ao compromisso por nós assumido na Cúpula de Joanesburgo: negociar, no
âmbito da Convenção sobre Diversidade Biológica, a criação de um regime internacional para promover e salvaguardar a distribuição justa e eqüitativa dos benefícios advindos do uso dos recursos genéticos.
A decisão aprovada, ao incluir os resultados da Reunião de Granada como referência para as atividades do Grupo de Trabalho e definir um horizonte temporal para essas atividades, constitui um grande salto em direção ao
tratamento adequado do 3º objetivo da Convenção. Exorto a todos que não poupem esforços para que esse Grupo possa concluir suas atividades dentro dos prazos por nós acordados.
Outras decisões foram igualmente importantes e destaco, aqui, apenas a título de exemplo, aquelas que reforçaram a participação de setores não-governamentais nos processos de discussão e de implementação da Convenção.
Refiro-me, em particular, a duas decisões que confirmam que a conservação da biodiversidade vai além das capacidades e dos interesses governamentais:
-a que estabelece as formas de participação efetiva das populações indígenas e das comunidades locais na elaboração do regime internacional de acesso e repartição de benefícios; e,
-a que referenda iniciativa visando ao engajamento do setor privado em apoio aos objetivos da CDB.
Além das citadas, a maior parte das decisões aprovadas possui o caráter de transversalidade de que tanto se fala aqui:
-a que trata da promoção de sinergias entre biodiversidade e alimentação e nutrição;
-a que trata das tecnologias genéticas de restrição de uso (GURTS), ao reafirmar a decisão V/5 e encorajar as partes a respeitar o conhecimento e práticas tradicionais de agricultores; e,
-a que trata das árvores transgênicas, que reconheceu as incertezas quanto aos seus impactos ambientais e sócio-econômicos potenciais e reafirmou a necessidade de uma abordagem precautória quanto à questão.
No Segmento Ministerial desta Conferência, tivemos, talvez, a nossa maior ousadia: trazer para a mesa de debates atores governamentais, intergovernamentais e não-governamentais de outros setores que, tradicionalmente, olham para esta Convenção com olhar e perspectivas
bastante diferenciados. Além disso, mudamos o formato tradicional, de forma a torná-lo mais interativo.
Creio que avançamos na tentativa de fazer com que o segmento ministerial deixasse de ser apenas uma reunião de ministros do meio ambiente, bastante distanciada do que acontece nas mesas de negociação, para ser um debate que reflita a variedade de setores e de atores participantes das negociações oficiais. Penso que, nos próximos segmentos dessa natureza, devemos reforçar
a participação em alto nível de ainda mais setores e fazer com que esses debates possam influenciar de maneira mais qualificada as negociações da Conferência.
Senhoras e Senhores,
O Governo Brasileiro agradece a presença de todos aqui. Agradece, em particular, o espírito de compromisso que fez com que pudéssemos avançar nas nossas diferenças e alcançar os resultados aqui alcançados.
Os indicadores atuais de perda da biodiversidade são extremamente preocupantes. Não podemos continuar a postergar as medidas que se impõem, escudando-nos na racionalidade das diferenças. É essencial que nos
despojemos, ainda mais, do espírito que nos divide para buscar a essência do que nos une.
Nosso compromisso, aqui, é mais do que uns com os outros, é com a vida na terra. Precisamos dar mostras disso aos cidadãos que nos dão o mandato para
estarmos aqui reunidos e, em nome deles, discutirmos o tipo de planeta que legaremos às gerações futuras.
É preciso registrar que as diferenças de posições, a complexidade das negociações, a variedade de setores envolvidos e a lentidão dos avanços podem ser aceitas e compreendidas pela racionalidade humana. A natureza,
porém, talvez não tenha a mesma capacidade de aceitação e de compreensão e tem ainda mais pressa do que nós.
Muito obrigada.
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