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Marina Silva apresenta relatório das discussões do Segmento Ministerial na COP-8

Publicado: Quinta, 30 Março 2006 21:00 Última modificação: Quinta, 30 Março 2006 21:00
Relatório da ministra Marina Silva das discussões do Segmento de Alto Nível da 8ª Reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica , realizado entre os dias 27 e 29 de março de 2006, em Curitiba (PR).

Tenho a satisfação de apresentar meu relato das discussões ocorridas durante o Segmento de Alto Nível da 8ª Reunião da Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica, realizado entre os dias 27 e 29 de março de 2006, na cidade de Curitiba, Paraná, Brasil, que tive a honra de presidir, com a honrosa presença do Excelentíssimo Senhor Presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva.

Participaram do Segmento de Alto Nível 130 países, sendo 45 representados por Ministros de Estado e 85 representados por Vice-Ministros, Embaixadores ou Chefes de Delegação, além de seis palestrantes e 20 debatedores, dirigentes de organismos internacionais, representantes de comunidades indígenas e locais, ONGs, setor privado e acadêmico.

Quando imaginei formas e meios pelos quais pudéssemos fazer com que o Segmento de Alto Nível desta Reunião pudesse dar impulso e orientação política à nossa Convenção, notei o aparente consenso em torno da necessidade de uma abordagem inovadora. Era minha esperança que a Oitava Reunião da Conferência das Partes representasse um ponto de inflexão na vida da Convenção, e que o seu Segmento de Alto Nível pudesse contribuir para o avanço das discussões e para a adoção de um conjunto de decisões de longo alcance pela Conferência das Partes que refletissem a urgência das questões relativas à implementação da Convenção.

Defini, então, para o Segmento de Alto Nível, dois objetivos principais:

-Identificar formas de fortalecer a Convenção e assegurar que sua implementação e seus objetivos não sejam encarados de maneira menos importante que a implementação de outros acordos e convenções internacionais;

-Reviver o espírito da Rio-92 e o compromisso da comunidade global com a ação multilateral cooperativa para apoiar o desenvolvimento sustentável e, em particular, o alcance dos objetivos da Convenção.

Propus estruturar a reunião em um conjunto de quatro diálogos, cada um tratando da interface entre a biodiversidade e um tema chave. Três painéis explorariam as conexões entre a biodiversidade e os seguintes setores: alimentação e agricultura; desenvolvimento e erradicação da pobreza; e comércio. Um quarto painel examinaria as questões relacionadas a acesso e repartição de benefícios.

A participação, em número sem precedentes na história da Convenção, de Ministros e representantes de organismos internacionais sugere que a nossa proposta foi ao encontro das expectativas dos países e foi considerada interessante por um número expressivo de partes e observadores. Fico contente com esta receptividade.

Tivemos três dias de trabalho intenso - dois dias de debates e um dia de pronunciamentos ministeriais. Da riqueza de informações, sugestões e pontos de vista que os participantes trouxeram à mesa de debates, posso identificar um pequeno conjunto de conclusões gerais:

-Há um consenso geral em torno do princípio de que a implementação da CDB e o alcance de seus objetivos passem necessariamente por políticas e ações transversais;

-É importante que se atribua igual prioridade à implementação da CDB e dos diferentes acordos e convenções internacionais que tratam de temas relevantes aos três objetivos da Convenção;

-O papel essencial da educação e da conscientização para que todos os grupos de interesse, em especial os jovens, possam melhor compreender os serviços ecológicos essenciais que a biodiversidade fornece e os riscos às sociedades humanas que a sua perda representa;

-A dupla responsabilidade dos Ministros de Meio Ambiente de promover a transversalidade da biodiversidade no âmbito de seus governos nacionais e de encorajar a harmonização das posições de seus países nos diferentes fóruns intergovernamentais;

-A conscientização de que é necessário agir mais rapidamente em todos os níveis para alcançarmos os objetivos da Convenção e a Meta de 2010;

-A necessidade de garantir financiamento duradouro para a implementação da Convenção.

Painel de abertura

O Professor Zakri apresentou os resultados da Avaliação Ecossistêmica do Milênio. Esse importante estudo concluiu que a perda da biodiversidade está ocorrendo em ritmo até mil vezes mais rápido do que as taxas históricas e que dois terços dos serviços ecológicos providos pela biodiversidade e pelos ecossistemas estão sendo degradados.

Essa degradação afeta mais dramaticamente os pobres. Ninguém paga mais pela degradação do meio ambiente do que os pobres. Eles pagam com o seu tempo, seu trabalho, com a perda de suas capacidades - a liberdade de fazer escolhas, a capacidade de agir e o direito à autodeterminação - às vezes até mesmo com suas próprias vidas. E, mais ainda, eles sabem que estão pagando.

A Avaliação do Milênio mostra que as pressões sobre a biodiversidade e os serviços ecossistêmicos continuam crescendo e constituem, agora, uma grande barreira para a conquista das Metas de Desenvolvimento do Milênio de redução da pobreza, segurança alimentar, saúde, e sustentabilidade ambiental. Não é coincidência que os devastadores deslizamentos de terras, inundações e secas extremas vivenciadas em muitas partes do mundo acontecem em áreas com o maior nível de perda de biodiversidade nos ecossistemas mais alterados por nós.

Entretanto, existe luz no fim do túnel. Os governos têm nas mãos as ferramentas para reverterem, nas próximas décadas, muitas dessas tendências de degradação nos serviços ecossistêmicos. Porém, isto não acontecerá a menos que a biodiversidade e os ecossistemas sejam devidamente reconhecidos no planejamento governamental e nos processos decisórios.

A gestão da biodiversidade e dos ecossistemas ainda não é uma preocupação primordial dos governos. Poucas Estratégias de Redução da Pobreza prestam séria atenção ao meio ambiente. Muitos processos nacionais de planejamento continuam a presumir erroneamente que a conservação da biodiversidade não é consoante com a meta de redução da pobreza.

Assim, nós conhecemos os problemas e temos as ferramentas. O que falta é vontade política e ação concreta. Nunca antes tantos ministros se reuniram para considerar o destino da biodiversidade. Nunca antes eles tiveram uma análise tão completa das ameaças e das opções. Nunca antes os políticos tiveram tão poucos motivos para não agir.

Painéis

Das ricas discussões nos painéis e dos muitos subsídios e contribuições oferecidos, pudemos identificar os seguintes pontos de convergência:

Painel 1: Biodiversidade, Alimentos e Agricultura

Biodiversidade, alimentação, agricultura e saúde são intrinsecamente vinculadas. Examinar esses vínculos é tarefa de suma importância para a CDB. A agricultura é de longe a atividade que causa maior impacto sobre a biodiversidade. Por outro lado, a agricultura  e, portanto, a segurança alimentar e o bem-estar humano  depende da conservação da biodiversidade. A agricultura em si não precisa representar uma ameaça à biodiversidade, desde que as políticas de agricultura - nos níveis nacional, regional e global - se baseiem no conceito do uso sustentável.

Agricultores tradicionais possuem valiosos conhecimentos, sobretudo sobre conservação do solo e de serviços ambientais. A expansão da produção agrícola de grande escala, a monocultura, e o afunilamento da cadeia produtiva através de grandes redes de supermercados acarreta riscos tanto para a biodiversidade como para a saúde e a segurança pública, ao limitar o acesso ao mercado consumidor para os produtos biodiversos da agricultura tradicional. Entretanto, os riscos podem ser evitados e uma situação onde todos ganham pode ser alcançada por meio de políticas transversais incorporando os programas da CDB e envolvendo os setores agrícola, comercial, industrial, científico e de mídia. O engajamento de pastas além da do meio ambiente é essencial.

Deve-se compreender que a biodiversidade constitui a base da segurança alimentar e da diversidade nutricional, essenciais à saúde humana. Devemos apoiar a produção familiar, responsável pela oferta de alimentos saudáveis e diversos, e que acabam não sendo competitivos no mercado global. Mantendo lavouras tradicionais, estaremos dando atenção não somente para espécies, mas também para os recursos genéticos. Um melhor planejamento territorial permitirá abordar, entre outras, a questão da co-existência de áreas de agricultura intensiva, de agricultura tradicional e de áreas protegidas, importantes em termos de biodiversidade.

Painel 2: Biodiversidade, Desenvolvimento e Erradicação da Pobreza

O vínculo entre a conservação da biodiversidade e a erradicação da pobreza foi enfatizado, bem como a urgência de desenvolver ações concretas nesta área. Biodiversidade e serviços ecossistêmicos são fundamentais para a sobrevivência da humanidade, e devemos trabalhar na valorização e valoração destes serviços. Ao mesmo tempo, devemos reorientar os padrões de consumo e a filosofia do desenvolvimento.

Biodiversidade não é um luxo - mas uma questão chave e um recurso importante, principalmente para as populações pobres. Trabalhar esta relação é igualmente importante para a conservação da biodiversidade e para a justiça social.

As comunidades locais e as populações indígenas são os grupos mais diretamente dependentes da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos, e, consequentemente, aqueles mais afetados pela sua perda. No entanto, elas têm menos oportunidades de influenciar as decisões de impacto sobre sua qualidade de vida. É, portanto, primordial que a participação efetiva da sociedade civil, das comunidades locais e dos povos indígenas nos processos nacionais, regionais e internacionais seja garantida, inclusive na CDB. Devem ser assegurados seus direitos de acesso aos recursos naturais e à posse da terra, assim como a tomada de decisão sobre as formas de manejo destes recursos. Para proteger a terra, devemos democratizar os processos do nível local até o global.

A meta de 2010 e as Metas de Desenvolvimento do Milênio deveriam se apoiar mutuamente. Entretanto, a sua implementação tem dado pouca atenção até agora ao papel da biodiversidade no alcance destas metas. Em sua sétima reunião, a COP notou a necessidade de explorar com o Secretário-Geral das Nações Unidas a oportunidade de estabelecer a meta de 2010 como um marco intermediário para alcançar a 7ª. Meta de Desenvolvimento do Milênio de assegurar a sustentabilidade ambiental até 2015. O painel recomendou que se desse continuidade à esta análise.

Painel 3: Comércio e Biodiversidade

O comércio tem impactos sobre a biodiversidade. A redução de barreiras pode gerar benefícios econômicos e ser um estímulo à inovação e criatividade. O comércio pode fomentar demandas por produtos derivados da biodiversidade, onde países em desenvolvimento teriam vantagens comparativas, resultando em incentivos econômicos na gestão e uso sustentável destes recursos. Alguns países enfatizaram a necessidade da redução e eliminação de subsídios que resultam danosos para o ambiente - como, por exemplo, na agricultura, na pesca, ou nos setores mais poluentes, que muitas vezes têm subsídios elevados. Outros apontaram a necessidade a necessidade de incentivos para a manutenção da biodiversidade e dos serviços ecossistêmicos.

Foi citada a necessidade de compatibilizar os objetivos da CDB e da OMC, mas na prática este é um terreno onde permanecem muitas incertezas. Medidas sociais e ambientais deveriam acompanhar a liberalização do comércio, de forma a controlar os impactos por ela gerados, em especial aqueles oriundos da crescente globalização.

Painel 4: Acesso aos Recursos Genéticos e Repartição de Benefícios

Destacou-se que o grau de cumprimento do terceiro objetivo da CDB é um processo ainda incipiente e que se necessita a elaboração e aprovação de um regime internacional de acesso e repartição de benefícios, tendo como uma referência os documentos gerados em Granada, na Espanha. Este regime deve ser vinculante, pelo menos em algum dos seus elementos. Para atingir este objetivo da Convenção, necessita-se recriar um clima de confiança e de cooperação entre todas as Partes e os outros setores envolvidos. A CDB deve assumir um papel de líder nas questões relacionadas ao acesso e repartição de benefícios. Para avançar na elaboração do regime, é necessário um compromisso sólido das Partes para proporcionar condições, e, em especial, recursos financeiros para a realização das reuniões de trabalho e os encontros de técnicos com o objetivo de se finalizar o Regime Internacional o mais breve possível, e de preferência até a COP-9.

Existe um consenso sobre a necessidade de se garantir a plena proteção dos conhecimentos tradicionais associados à conservação e o uso sustentável dos recursos genéticos e sobre a repartição eqüitativa de benefícios. Também se ressalta a necessidade da participação das comunidades indígenas e locais no processo de elaboração deste regime, de acordo com as regras de procedimentos da COP.

Plenário Ministerial

Ministros, representantes de alto nível de 88 países e representantes de cinco organismos internacionais se manifestaram, nos quais os temas que mais se destacaram foram:

-Avanços na criação e consolidação de áreas protegidas, inclusive marinhas;

-Negociação do regime internacional de acesso a recursos genéticos e repartição de benefícios;

-Apoio financeiro para a implementação da Convenção e renovação do capital do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF).

Podemos dizer que o novo formato dado ao segmento ministerial permitiu uma discussão frutífera e que tocou nos desafios delicados e importantes a enfrentar se quisermos avançar na implementação equilibrada e resoluta desta CDB.

Agradecemos a todos e todas pelo seu empenho e disponibilidade para o diálogo, e reafirmamos o compromisso do Brasil de implementar os três objetivos da Convenção de forma equilibrada.

Curitiba, Paraná, Brasil, 31 de março de 2006


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