Brasília (DF) ? O seminário Diálogos para um Brasil Sustentável se encerrou na tarde desta sexta-feira (15), com palestras do presidente da Fundação Zeri (do inglês Zero Emissions Research and Initiatives, Iniciativas para Pesquisa em Emissão Zero), Gunter Pauli, do professor do Departamento de Ciência Ambiental da Universidade da Califórnia, o chileno Miguel Altieri, do fundador do Rocky Mountain Institute, do Colorado, Amory Lovins, e do físico austríaco Fritjof Capra. Eles relataram aos quase mil participantes da sessão pública dos Diálogos um pouco dos debates realizados durante a semana sobre ecodesign, agroecologia, energias limpas e renováveis e educação para a sustentabilidade.
Para o belga Gunter Pauli, que desenvolve projetos em vários locais do mundo e também no Brasil com produção em ciclos fechados e aproveitamento total dos resíduos, gerando produtos com maior valor agregado, os Diálogos são uma oportunidade única de mostrar que outro mundo é possível, e até de mudar um país. ?Estamos debatendo as melhores formas de passar de um velho paradigma para uma nova perspectiva, quando a sociedade passará a tomar decisões e a produzir com base nos ciclos e ritmos da natureza?, disse. Pauli não deixou de criticar as culturas transgênicas, que, segundo ele, só trarão prejuízos a uma economia de futuro. ?Os organismos geneticamente modificados são lineares e não-sistêmicos, desperdiçando a capacidade natural de gerar valor agregado e mais renda?, explicou.
O chamado ecodesign procura se espelhar nos processos desenvolvidos pela natureza para manutenção da vida, como a diversidade biológica, o cooperativismo e a ciclagem de materiais com fluxo energético eficiente. Segundo o economista, um bom projeto de ecodesign deverá, a partir de concepções sistêmicas, responder às necessidades básicas da vida: água, alimentação, saúde, educação, abrigo, trabalho e lazer; priorizar a produção para e a partir de condições locais e regionais; deve resolver múltiplos desafios evitando gerar impactos indesejáveis; e os projetos devem ser sustentáveis para toda a teia da vida, ser economicamente viáveis, com agregação de valor e socialmente justos. Mais sobre a Fundação Zeri em http://www.zeri.org.br.
A agroecologia é um exemplo brasileiro de ecodesign. Esta foi uma das conclusões a que chegou o grupo de trabalho específico durante os Diálogos. A tese foi reforçada nesta sexta por Miguel Altieri, no encerramento do seminário. Conforme o professor chileno, a agroecologia traz vantagens como ser mais produtiva, mais diversa, mais eficiente em termos energéticos, mais solidária, além de proporcionar proteção ambiental. Ele reforçou ainda a idéia de que os agricultores devem estar à frente dos processos de decisão, deixando de ser apenas receptores e executores de novas tecnologias. ?A mudança deve ser geral?, disse.
Segundo Altieri, no Brasil há quase 5 milhões agricultores familiares (85% do total de agricultores) que ocupam 30% das terras cultiváveis. ?Essas fazendas familiares controlam cerca de 33% da área semeada para milho, 61% para feijão e 64% da plantada com mandioca, produzindo 84% do total de mandioca e 67% de todo o feijão. No entanto, esses produtores não são os mais privilegiados em termos de créditos e fomentos, apesar dos inúmeros serviços ambientais que prestam?, disse. Para ele, esse segmento pode ser beneficiado com uma nova agenda agrícola, que trate da redução da pobreza, da segurança alimentar e auto-suficiência, do gerenciamento ecológico dos recursos produtivos, da atribuição de poderes a comunidades rurais e do estabelecimento de políticas de apoio.
Crítico da monocultura, do uso de venenos na agricultura e dos organismos geneticamente modificados, Altieri explicou que, não fosse a agricultura familiar, a fome na Argentina teria sido em muito agravada com a crise econômica. ?Cerca de 60 mil produtores foram expulsos do mercado com o advento dos transgênicos naquele país. Quem salvou a Argentina da fome nos piores momentos da crise não foi a soja transgênica, mas sim as hortas familiares que surgiram com a crise econômica?, disse. ?Caso a soja transgênica seja liberada no Brasil, isso será condenar os agricultores à monocultura, ao uso do glifosato (agrotóxico específico para a soja Roundup Ready, da Monsanto)?, salientou.
Conforme Amory Lovins, do Rocky Mountain Institute, do Colorado (Estados Unidos), criador de idéias como a do ?capitalismo verde?, a humanidade se desenvolveu por séculos sob as diretrizes do capitalismo industrial, com investimentos em bens e capital. Eram desconsiderados, no entanto, o capital humano e o natural. ?O que vemos agora é que os recursos naturais estão se tornando escassos em decorrência de nossos padrões de produção e de consumo. O capitalismo natural, então, é fazer mais com o que a terra produz?, explicou.
Segundo Lovins, o Brasil já produz e usa mais energia renovável do que qualquer outro país no mundo, já que mais de 90% da energia elétrica vem da geração hidrelétrica, e mais do que um terço do combustível para automóveis é etanol feito de cana de açúcar no Brasil. ?No entanto, alguns usos de recursos renováveis no Brasil, inclusive energia hidrelétrica e energia de biomassa, não são sustentáveis. Ao mesmo tempo, o Brasil também se está tornando crescentemente dependente de combustível fóssil?, argumentou. Para ele, um sistema de energia sustentável no Brasil deverá atingir os seguintes objetivos gerais: continuar a depender primordialmente de fontes renováveis de energia; gerir os recursos renováveis do Brasil com vistas à sustentabilidade; usar combustíveis fósseis de maneira eficiente para melhorar a confiabilidade e a economia do suprimento de energia; melhorar a eficiência da conversão e do uso da energia, em toda a economia; e criar empregos e economizar capital através de programas de eficiência energética com alvos locais. ?Isso tornará, ainda, os produtos brasileiros mais competitivos, reduzindo as faturas de energia e as necessidades em termos de capital?, explicou.
O grupo de trabalho sobre energias limpas e renováveis propôs ainda, entre outros pontos, uma moratória ao programa nuclear brasileiro, dizendo não à construção de Angra 3, a apresentação de projeto para descomissionamento de Angra 1 e Angra 2, a definição da destinação definitiva dos resíduos radioativos no país, e ainda a revisão dos planos de emergência em caso de acidente.
Por fim, o físico Fritjof Capra falou que o trabalho desenvolvido no Centro para Ecoalfabetização da Califórnia levou a uma definição do que seria uma ?comunidade planejada para a sustentabilidade?. ?Seria uma sociedade onde os estilos de vida, os processos produtivos e as inter-relações sociais não interfiram na capacidade da natureza de sustentar a vida. Para tanto, precisamos entender com profundidade como a natureza mantém a vida?, disse.
O autor de livros como As Conexões Ocultas e A Teia da Vida deixou claro que entender princípios como o das redes, já que a natureza está interligada em ecossistemas dependentes, dos ciclos, já que a matéria flui de forma contínua e ininterrupta, e do desenvolvimento, já que todos os seres estão sempre em co-evolução, é fundamental para que a humanidade alcance novas formas de relação com o meio ambiente, ao desenvolvimento com sustentabilidade ecológica, econômica, social e cultural. ?Muitos economistas acreditam que o crescimento pode ser infinito, mas isso é besteira. Temos que reconhecer o fato de que os recursos naturais são finitos e, muitos, não renováveis. Precisamos reconhecer nossos limites e conviver em harmonia com o ambiente natural?, completou. Mais informações sobre o trabalho de Fritjof Capra em http://www.ecoar.org.br/novo/formacao.asp?id=4.
O seminário Diálogos para um Brasil Sustentável se realizaram entre 12 e 15 de agosto. Durante uma semana, 120 técnicos, ambientalistas, pensadores e especialistas brasileiros e estrangeiros debateram sobre agroecologia, educação para a sustentabilidade, energias limpas e renováveis e ecodesign. Os resultados e idéias oriundas do evento servirão de subsídios à 1ª Conferência Nacional do Meio Ambiente, entre 28 e 30 de novembro deste ano, na capital federal, e poderão também influenciar as políticas do Governo Federal. Os Diálogos foram promovidos pelo Ministério do Meio Ambiente em parceria com Fritjof Capra, Instituto Ecoar para a Cidadania e Projeto Brasil Sustentável e Democrático.
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