MARTA MORAES
Olhe para o seu prato. Está na hora de enxergar além. Entre um quarto e um terço dos alimentos produzidos no mundo anualmente para o consumo humano se perde ou é desperdiçado. Isso equivale a cerca de 1,3 bilhões de toneladas de alimentos. A Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) calcula que esses alimentos seriam suficientes para alimentar dois milhões de pessoas.
A FAO estima que 6% das perdas mundiais de alimentos se encontram na América Latina e no Caribe e que, a cada ano, a região perde ou desperdiça cerca de 15% dos alimentos disponíveis. Os números totais anuais de perdas e desperdícios na região, divulgados no terceiro boletim “Perdas e Desperdícios de Alimentos na América Latina e Caribe”, da FAO, impressionam. São 127 milhões de toneladas de alimentos, e cerca de 223 quilos por cada habitante da região.
Dados da organização mostram, ainda, que esses alimentos seriam suficientes para satisfazer as necessidades alimentares de 300 milhões de pessoas, cerca de 37% de todas as pessoas que passam fome no mundo.
Segundo Raquel Breda, diretora do Departamento de Produção e Consumo Sustentáveis do Ministério do Meio Ambiente (MMA), o desafio de reduzir o desperdício de alimentos precisa ser enfrentado por todos, produtores e consumidores, pesquisadores e gestores públicos e privados. “Todos possuem um papel fundamental na diminuição desse problema, que vai além de um simples mal hábito, tendo consequências sérias na economia, no meio ambiente e na segurança alimentar e nutricional de milhões de pessoas”, enfatiza Raquel.
IMPACTOS AMBIENTAIS
O impressionante volume de alimentos desperdiçados anualmente não só causa grande perdas econômicas, como também tem impacto significativo nos recursos naturais dos quais a humanidade depende para se alimentar. Essa foi a conclusão do relatório da FAO “Os Rastros do Desperdício de Alimentos - Impactos sobre os Recursos Naturais”, lançado em 2013. A publicação é o primeiro estudo que analisa os efeitos do desperdício de alimentos global a partir de uma perspectiva ambiental, focando particularmente em suas consequências para o clima, uso da água e do solo, e biodiversidade.
Entre as principais conclusões da pesquisa, a FAO destaca que, a cada ano, os alimentos produzidos, mas não consumidos, são responsáveis pela emissão de 3,3 bilhões de toneladas de gases de efeito estufa na atmosfera do planeta.
BOAS INICIATIVAS
O desperdício de alguns representa a falta de alimentos para muitos outros e é um dos grandes desafios para se alcançar a segurança alimentar. Perdas e desperdício ocorrem praticamente em todas as partes da cadeia da indústria alimentícia e mudanças precisam ser implementadas em todos os lugares, desde a produção, malha rodoviária, armazenamento, mercados, distribuição, e venda no varejo, até o comportamento do consumidor. No Brasil, surgem cada vez mais iniciativas para enfrentar o problema. Confira algumas delas.
Mesa Brasil SESC
Um dos programas pioneiros no tema, o Mesa Brasil Sesc é uma rede nacional de bancos de alimentos contra a fome e o desperdício. Criado inicialmente em São Paulo, em 1994, seu objetivo é contribuir para a promoção da cidadania e a melhoria da qualidade de vida de pessoas em situação de pobreza, em uma perspectiva de inclusão social.
O Programa Mesa Brasil é formado por uma rede que busca alimentos onde sobram e entrega onde faltam, além de atuar do atendimento de vítimas de eventos naturais. De um lado, contribui para a diminuição do desperdício, e de outro, reduz a condição de insegurança alimentar de crianças, jovens, adultos e idosos.
O Mesa Brasil Sesc vem apresentando resultados significativos. De janeiro a abril deste ano, já foram distribuídos 12.331.528 kg de alimentos, o que representa 27,71% da meta de 44.494.225kg. São 1.599.414 pessoas atendidas por dia, 60.097.533 refeições complementadas, 3.087 empresas parceiras (doadores sistemáticos), 88 unidades em funcionamento em todo o Brasil e 480 cidades na abrangência.
Só no estado do Maranhão foram distribuídas 2.570.360 refeições para 94 instituições que atendem creches, asilos e casas de apoio, entre outras. Sempre alimentos aptos para consumo. Segundo Roberta Ribeiro, coordenadora do programa no estado, neste ano houve um recuo nas doações. “Mas isso não é encarado de forma negativa. O que temos percebido é que principalmente supermercados e grandes empresas têm feito um maior controle para o manuseio correto dos alimentos, revendo suas rotinas e adotando novos procedimentos, o que acaba diminuindo o desperdício”, explicou ela. “Isso é positivo, pois ministramos treinamentos e oficinas, tanto para quem doa como para quem recebe, sobre a melhor forma de manusear e conservar os alimentos, exatamente com esse intuito”.
Disco Xepa Day
Evento promovido pela Rede Jovem do Slow Food acontece desde 2013, em várias cidades brasileiras. Neste mês de junho, a terceira edição foi realizada na Ceasa-DF e em outros 13 locais do Brasil. À primeira vista, o evento pode até parecer apenas uma grande festa, pois reúne gastronomia e música. Mas, a Disco Xepa é bem mais do que isso. O evento visa a sensibilizar as pessoas a se conscientizarem de que há formas criativas de se combater o desperdício de alimentos. Para isso, chefs de cozinha da cidade e voluntários reúnem a xepa, os alimentos que sobraram da feira e iriam para o lixo, e fazem saborosas sopas, sucos e saladas, que são distribuídos para os produtores e frequentadores da feira. A Disco Xepa ainda promove oficinas gratuitas.
A primeira edição foi realizada em janeiro de 2012 por membros da Rede Jovem do Slow Food Alemanha, na capital Berlim. Na última edição de Brasília, foram servidos: salada de espinafre com molhos de maracujá, manga e frutas vermelhas; repolho com erva-doce e folha de mostarda; chutney de manga; e gaspacho de tomate; entre outras receitas.
Banco de Alimentos
Para tentar minimizar um pouco as perdas com desperdício no Brasil, a economista Luciana Quintão resolveu criar, em 1998, o Banco de Alimentos. A ideia central do projeto é buscar onde tem sobra e fazer doação para onde faltam alimentos. A proposta é permitir que um número maior de pessoas tenha acesso a alimentos básicos e de qualidade. Os alimentos distribuídos são excedentes de comercialização que estão perfeitos para o consumo, sendo que a distribuição possibilita a complementação alimentar diária de indivíduos assistidos pelas mais de 50 instituições cadastradas no projeto, que assistem a mais de 21 mil pessoas. Os alimentos doados podem ser in natura ou industrializados.
Para chamar a atenção sobre o assunto, a ONG possui um “desperdiçômetro” em seu site. Em fevereiro de 2015, a organização lançou a campanha Desperdício Gourmet, na qual chefs de cozinha foram convidados a criar pratos de alto nível, e apresentação impecável, a partir de partes não convencionais dos alimentos, geralmente descartados, como cascas, sementes, talos e folhas.
Da ação, também fazia parte a entrega de um folder para o cliente, junto com a conta. Nesse momento, o consumidor tomava conhecimento da campanha e de que acabava de participar dela: “Um dos pratos que você comeu hoje foi feito com ingredientes que sobraram do preparo de outros pratos. Você sabe qual foi?”, perguntava o material de divulgação.
E VOCÊ?
Muitos dos fatores que ocasionam o desperdício de alimentos podem facilmente ser evitados, com simples mudanças na compra de alimentos, preparação e armazenagem. Segundo Gilmar Paulo Henz, engenheiro agrônomo, da Secretaria de Inteligência e Macroestratégia da Embrapa (SIM), parte fundamental na sustentabilidade na cadeia de pós-colheita é a educação e conscientização do consumidor. “Na atualidade, o consumo consciente e responsável de alimentos, alinhado aos princípios da sustentabilidade, ainda é pouco disseminado na sociedade brasileira, e restrito aos consumidores de hortaliças produzidas nos sistemas orgânico, agroecológico e da agricultura familiar. É preciso estimular a adoção de práticas cotidianas sustentáveis para todos os segmentos sociais”, defende Gilmar.
Mas, como cada pessoa pode colaborar para combater o problema? Todos podemos fazer um melhor aproveitamento de partes dos alimentos que costumamos jogar fora, como casca, bagaço e caules, que possuem qualidades nutricionais. Uma fruta ou verdura mais feia pode sim ir para o prato ou para a panela. Se até os grandes chefs deram novo status às sobras de comida, não custa nada pensar um pouco antes de jogar qualquer resto no lixo. Planejar melhor o cardápio, só comprar o necessário, não se deixar levar pelas ofertas, cozinhar integralmente os alimentos, são outras dicas que valem a pena tentar.
SAIBA MAIS: pesquisa mostra perfil da mesa do brasileiro
Segundo recente estudo da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a explicação para tanto desperdício no Brasil pode ser cultural. Afinal, o brasileiro sempre teve mesa farta pelo fato de viver em um país tropical, onde a terra é generosa. Além disso, não está acostumado a aproveitar integralmente o alimento.
Pesquisa da Embrapa, Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Universidade de Cornell (nos Estados Unidos) identificou que a preferência das famílias brasileiras pela abundância de comida, aliada à aversão pelo consumo das sobras das refeições, gera desperdício de alimento e impacta negativamente nas tentativas de economizar nos gastos com alimentação. O estudo, publicado em 2015 no International Journal of Consumer Studies, mostra que o hábito de comprar alimento em excesso e a conservação inapropriada são geradores de desperdício de comida em populações de todas as faixas de renda.
Liderada pelo analista da Embrapa Gustavo Porpino, o estudo envolveu 20 famílias de baixa renda da zona Leste de São Paulo e fez parte de um projeto maior com coleta de dados também nos Estados Unidos.
O estudo identificou os cinco principais comportamentos que levam ao desperdício de alimentos: compra excessiva, preparo abundante, vontade de alimentar um animal de estimação, sobras não aproveitadas e conservação de alimentos inadequada.
Edição: Alethea Muniz - Fotos: FAO-UN.
Assessoria de Comunicação Social (Ascom/MMA): (61) 2028-1227
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